O ÚLTIMO POEMA DE VICTOR JARA
O dia 11
de setembro de 1973, quando o golpe militar comandado pelo ditador Augusto
Pinochet derrubou do poder a Salvador Allende, o compositor e cantor Victor
Jara foi preso com outros 600 estudantes na Universidade onde trabalhava.
Levado para o Estádio Nacional em Santiago, nesse mesmo dia foi torturado e
assassinado pelos militares. Dias depois, sua mulher, Joan Jara, identificou o
corpo do poeta, fuzilado e com as mãos amputadas. No estádio, escreveu seu
último poema.
Introdução
de Joan Jara: "... Quando mais tarde me trouxeram o texto do último poema
de Víctor, soube que ele queria deixar seu testemunho, seu único meio de
resistir ainda ao fascismo, de lutar pelos direitos dos seres humanos e pela
paz".
Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se
perderam
no espaço das estrelas.
no espaço das estrelas.
Um morto, um
espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
que se pudesse espancar um ser humano.
Os outros quatro
quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fixo da morte.
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fixo da morte.
Que espanto causa
o rosto do fascismo!
Colocam em
prática seus planos com precisão arteira,
sem que nada lhes importe.
sem que nada lhes importe.
O sangue, para
eles, são medalhas.
A matança é ato
de heroísmo.
É este o mundo
que criaste, meu Deus?
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?
Nestas quatro
muralhas só existe um número
que não cresce,
que lentamente quererá mais morte.
que lentamente quererá mais morte.
Mas prontamente
me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.
E o México, Cuba
e o mundo?
Que gritem esta
ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Quantos somos em
toda a pátria?
O sangue do
companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim golpeará
nosso punho novamente.
Como me sai mal o
canto
quando tenho que cantar o espanto!
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o
que vivo
como o que morro, espanto.
como o que morro, espanto.
De ver-me entre
tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
O que vejo nunca
vi,
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento..."
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento..."
(Victor Jara,
Estádio de Chile, Setembro 1973).
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