R U B E M B R A G
A
CACHOEIRO DO
ITAPEMIRIM-ES = 1913-1990
O Orador
Ônibus pintados de vermelho e amarelo, automóveis,
caminhões se cruzam na manhã paulistana. Entre plátanos e palmeiras passam
normalistas, e ora atravessam zonas de sombra clara, ora seus cabelos brilham
ao sol. Há homens rápidos. Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também
amanheço de remotas aflições, eu emerjo com energia das sombras da noite e me
planto na varanda, ao sol. Vou ao chuveiro, a água me bate com força alegre,
volto à minha varanda alta, sobre os veículos e os transeuntes matinais, tenho
a vontade insensata de fazer discursos.
“Paulistas! Mais um dia amanhece!” Seria preciso
fazer um discurso assim, seria preciso ter uma voz poderosa e firme, capaz de
deter os transeuntes – para lhes anunciar esta manhã, a sua glória e potência,
e lhes dar a todos a consciência clara da manhã. Frases bem lavadas, úmidas de
vigor matinal.
“Paulistas!” O homem de chapéu se deteria atônito, a
normalista de cabelos castanhos, rindo, diria para a outra, me apontando –
“olhe um homem maluco” (mas depois as duas ficariam sérias), e o rapaz de roupa
cinzenta recearia que eu me fosse lançar da varanda ao solo para me matar,
talvez caísse em cima dele.
“Paulistas! Vossa clara e forte manhã me faz bem, e
digo ao povo e digo aos poderosos caminhões, e às grandes árvores e ao sol:
obrigado! E à brisa da manhã eu agradeço e digo: leva para longe, leva pelos
ares cheios de sol os restos de minha tristeza noturna, lava o ar e a alma
deste homem, brisa! Eu estou sólido e limpo! Respiro fundo, tenho prazer em
respirar e viver, sou capaz de fazer a justa guerra e empreender imediatamente
a reconstrução das cidades, vou embarcar nas monções, trarei pedras e índios e
horizontes largos – contai comigo, manhã paulista!”
Mas permaneço calado, de pé, parado, ao sol, na
varanda, perante as árvores altas, mais alto que as árvores mais altas.
Dissipam-se em mim os venenos da noite. Talvez apenas o meu corpo estremeça um
pouco. Talvez apenas eu receie sair da zona do vento e da luz, reentrar na
sombra do quarto, reencontrar no espelho o homem torturado e vazio, aquele cujo
coração alguém pôde apertar nas mãos de unhas finas, dolorosamente, e jogá-lo
ao chão como se fosse um lenço usado, aquele a quem no fundo da noite deram a
beber os filtros da melancolia – aquele homem fraco e aflito, aquele insensato.
JANEIRO,
1953
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