M Á R I O S E T T
E
RECIFE-PE = 1886 / 1950
Os Bombeiros
Os
sinos começavam a tocar espaçada e repetidamente. A princípio uma igreja só
cujo toque era logo reconhecido pelos moradores do bairro. Em seguida outra,
mais outra. Por fim diversas. Umas próximas. Umas distantes. Badaladas
vagarosas, impertinentes, monótonas.
Todos
contavam:
—
Uma, duas, três, quatro, cinco... É no Recife.
—
Que nada, Marocas. É em São José. Sete...
—
Conte direito. Foram cinco.
Recontam
e concordam em ser incêndio na freguesia do Recife.
—
É mesmo. Aonde será, minha gente? Fora de Portas? Manezinho tem um armazém de
algodão na rua de São Jorge.
As
ruas se enchem de golpe. Correm criaturas de todas as partes. Esvaziam-se casas
e becos se os estivessem espremendo. Quem cochila, acorda; quem come, pára;
quem descansa, esperta; quem conversa, cala-se. Vão todos ver o fogo. Uns
receosos, a maioria por folguedo. Na vida calma do Recife um incêndio era uma
novidade, um divertimento, um ponto de maledicências, de namoros, de chamegos,
de conquistas.
Acudiam
tipos de todas as classes, cores, idades e sexos.
O
armazenário, o lojista, o polícia, o bilontra, o farrista, o moleque, a
família, a mulher-dama, a criada, o geladeiro, a boleira...
Rumores
de botas, chinelos, tamancos nas calçadas...
E
os sinos a insistir no toque de rebate.
Agora,
a corneta dos quartéis.
—
É no 14.
—
E na cavalaria também. Repare o clarim.
Correrias.
Uma velha, na janela, indaga de um transeunte:
—
Já soube aonde é o fogo, meu senhor?
—
Na caixa d’água...
Outro
transeunte, mais atencioso, explica:
—
Ouvi dizer que é um armazém de álcool do cais do Apolo.
—
Minha Nossa Senhora! Logo álcool! Vai tudo embora. E minha sobrinha Teté que
mora na rua do Vigário. Vou rezar o Magnífica.
Avistam-se
chamas por cima dos telhados. Ouvem-se explosões. Sente-se o cheiro da fumaça.
De
súbito uma campainha. Um tropel. São os bombeiros. Vêm do cais do Capiberibe e
trazem archotes. Eles mesmos puxam as carretas com as bombas encolhidas, as
escadas aos pedaços, a ferramenta profissional. Correm de ponte afora.
—
Coitados! Quando chegarem lá já estão cansados.
—
Deviam ter cavalos para puxar os carros. Como no Rio.
Um
velho, assistindo ao incêndio:
—
Hoje inda há bombeiros. E no meu tempo? Era o povo que ajudava a apagar. Cada
um com seu balde indo encher no chafariz mais perto. Uma vez ajudei a acabar
com um, brabo, no beco da Cacimba. Na casa de um fogueteiro, imagine. Eu era
balanceiro da Alfândega.
—
Por falar em Alfândega. Fogo danado foi aquele outro dia lá, heim? Lambeu tudo.
Até os torreões.
—
Antigamente era o povo sozinho que apagava. Depois começaram a auxiliar as
bombas dos meninos do arsenal de guerra e dos imperiais marinheiros. Sempre
serviam. Hoje é uma beleza com esses bombeiros.
De
quando enquando um enorme estouro e as labaredas se avivam. Paredes ruíam. O
telhado abatera desde o começo. O povo com medo não se aproximava. Reuniam-se
todos nas imediações da ponte Buarque de Macedo, do arco da Conceição ou mesmo
no cais do Abacaxi, de outro lado.
A
cavalaria rondava abaixo e acima de rifle em punho.
Já
havia quem fosse voltando às casas.
Negociantes
mais sossegados por saber que a desgraça não os atingira. Famílias saciadas de
curiosidade. Pequenas contentes do pretexto em umas olhadelas com os coiós.
Rapazolas acompanhando as moradoras do brejo...
E
o comentário:
—
Pobre do dono!
—
Pobre?! Seguro de 200 contos!...
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