ALIMENTAÇÃO
NO SERTÃO PERNAMBUCANO
(Tópico do livroem
que Ulisses Lins de Albuquerque – também poeta e
historiógrafo – faz um curioso levantamento de paisagens e de casos do sertão
pernambucano)
(Tópico do livro
Dias depois eu me despedia da velha fazenda, onde Siá Santa dominava,
impondo-se pela bondade à afeição daquela gente que ali morava há muitos anos, pela lhaneza de seu trato e pela grandeza de
coração.
Parece-me estar a vê-la, bem branca, feições fidalgas, sempre com um
lenço branco amarrado à testa – ela me dizia que, se o retirasse, sentia
tonturas... – com um molho de chave preso à cintura, indo e vindo de casa para
as casinhas de dependência, ao fundo, dando ordens à boa preta Rita – de
feições fidalgas – sua cozinheira, e às auxiliares, chamando-nos para as
refeições, nas quais, além da coalhada, nas épocas de inverno, ou da umbuzada –
quando os umbuzeiros estavam carregados de frutos (a safra do umbu – ou imbu –
vai de janeiro até quase abril), o prato invariável, no almoço, era o xerém de milho, para dar
melhor sabor à carne assada na grelha ou cozida na panela; no jantar, o feijão
era obrigatório, com a farinha de mandioca; e à noite, na ceia, quando não se
servia também a coalhada ou a umbuzada, dominava o mugunzá (de milho) e o xerém com leite, ou o
jerimum, também com leite.
O queijo de coalho e o de manteiga (de fogo), era abundante nos meses
em que, no inverno, a vacaria enchia o curral. A buchada, servida no
segundo dia após o sacrifício do carneiro ou do bode, era, como é ainda, a
grande novidade nos almoços sertanejos. E a panelada, que aparecia
quando se abatia uma rês.
O pão de milho – cuscuz – tão comum no sertão, não era usado em casa de
minha avó. Entretanto, na fazenda de padrinho Ezequiel, era o prato da ceia –
com leite.
O xerém era feito do milho quebrado num "moinho" (uma pedra redonda,
puxado por um torno, girando sobre a outra); o milho do mugunzá era desolhado
no pilão, no qual também era pisado o café torrado.
Para refeições avulsas, Rita preparava a paçoca (carne pisada
com farinha), o pirão de galo (com ovos) e a mal-assada, de ovos com a
manteiga de leite de vaca. (O fubá de milho, adocicado com rapadura, era muito
apreciado na fazenda, especialmente misturado com o leite.)
Sobremesa (nem sempre): mel de rapadura ou de abelha, e, por vezes, de
engenho, vindo de alguma engenhoca de Pajeú – município de Afogados da
Ingazeiras – ali próximo; e, às vezes, xerém com rapadura, ou rapadura com
farinha. Fruta nunca! Nesse particular, o descaso entre os sertanejos naquela
região do Moxotó era absoluto. O exemplo deixado por Antônio de Siqueira, que
possuía o seu pomar de cajueiros, goiabeiras e bananeiras, não fora seguido.
Apenas minha avó possuía uma horta de pinheiras, bem como minha mãe plantara
uns mamoeiros e goiabeiras, cujos frutos eu açambarcava, devorando-os, colhidos
ao pé das fruteiras...
Entretanto, às vezes vinham mangas, goiabas e bananas daquela zona do
Pajeú, onde havia açudes na maior parte das fazendas, cujos proprietários
plantavam árvores frutíferas e cultivavam a cana-de-açucar que moíam nos seus
engenhos, alguns de ferro, puxado a bois.
Os meninos – eu inclusive – recorriam às frutas silvestres, algumas
saborosas: a quixaba, a pitomba, o umbu, o jatobá, o juá, o araçá... E, se elas
são portadoras de vitaminas – nome inventado por aquele médico polonês e que
"vem do latim vita, vida, e da terminação amina, composto de
hidrogênio e azoto" – posso garantir que os meninos criados nas caatingas
sertanejas as armazenavam em profusão, no meu tempo...
(ULISSES LINS DE ALBUQUERQUE (SERTÂNIA-PE = 1889 / 1979)
Histórias e Paisagens do Brasil, Os Canaviais e os Mocambos. Organização de
Diaulas Riedel)
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