S É R G I O P O R T O
RIO DE JANEIRO-RJ = 1923 – 1968
História De Um Nome
No capítulo
dos nomes difíceis têm acontecido coisas das mais pitorescas. Ou é um camarada
chamado Mimoso, que tem físico de mastodonte, ou é um sujeito fraquinho e insignificante
chamado Hércules. Os nomes difíceis, principalmente os nomes tirados de
adjetivos condizentes com seus portadores, são raríssimos, e é por isso que
minha avó a paterna – dizia:
— Gente
honesta, se for homem deve ser José, se for mulher, deve ser Maria!
É verdade que
Vovó não tinha nada contra os joões, paulos, mários, odetes e — vá lá —
fidélis. A sua implicância era, sobretudo, com nomes inventados, comemorativos
de um acontecimento qualquer, como era o caso, muito citado por ela, de uma tal
Dona Holofotina, batizada no dia em que inauguraram a luz elétrica na rua em
que a família morava.
Acrescente-se
também que Vovó não mantinha relações com pessoas de nomes tirados metade da
mãe e metade do pai. Jamais perdoou a um velho amigo seu — o “Seu” Wagner —
porque se casara com uma senhora chamada Emília, muito respeitável, aliás, mas
que tivera o mau-gosto de convencer o marido de batizar o primeiro filho com o
nome leguminoso de Wagem — “wag” de Wagner e “em” de Emília. É verdade que a
vagem comum, crua ou ensopada, será sempre com “v”, enquanto o filho de “Seu”
Wagner herdara o “w” do pai. Mas isso não tinha nenhuma importância: a
consoante não era um detalhe bastante forte para impedir o risinho gozador de
todos aqueles que eram apresentados ao menino Wagem.
Mas deixemos
de lado as birras de minha avó — velhinha que Deus tenha, em Sua santa glória —
e passemos ao estranho caso da família Veiga, que morava pertinho de nossa
casa, em tempos idos.
“Seu” Veiga,
amante de boa leitura e cuja cachaça era colecionar livros, embora colecionasse
também filhos, talvez com a mesma paixão, levou sua mania ao extremo de batizar
os rebentos com nomes que tivessem relação com livros. Assim, o mais velho
chamou-se Prefácio da Veiga; o segundo, Prólogo; o terceiro, Índice e,
sucessivamente, foram nascendo o Tomo, o Capítulo e, por fim, Epílogo da Veiga,
caçula do casal.
Lembro-me bem
dos filhos de “Seu” Veiga, todos excelentes rapazes, principalmente o Capítulo,
sujeito prendado na confecção de balões e papagaios. Até hoje (é verdade que
não me tenho dedicado muito na busca) não encontrei ninguém que fizesse um
papagaio tão bem quanto Capítulo. Nem balões. Tomo era um bom extrema-direita e
Prefácio pegou o vício do pai – vivia comprando livros. Era, aliás, o filho
querido de “Seu” Veiga, pai extremoso, que não admitia piadas. Não tinha o
menor senso de humor. Certa vez ficou mesmo de relações estremecidas com meu
pai, por causa de uma brincadeira. “Seu” Veiga ia passando pela nossa porta,
levando a família para o banho de mar. Iam todos armados de barracas de praia,
toalhas etc. Papai estava na janela e, ao saudá-lo, fez a graça:
— Vai levar a
biblioteca para o banho? “Seu” Veiga ficou queimado durante muito tempo.
Dona Odete —
por alcunha “A Estante” — mãe dos meninos, sofria o desgosto de ter tantos
filhos homens e não ter uma menina “para me fazer companhia” – como costumava
dizer. Acreditava, inclusive, que aquilo era castigo de Deus, por causa da
idéia do marido de botar aqueles nomes nos garotos. Por isso, fez uma promessa:
se ainda tivesse uma menina, havia de chamá-la Maria.
As esperanças
já estavam quase perdidas. Epílogozinho já tinha oito anos, quando a vontade de
Dona Odete tornou-se uma bela realidade, pesando cinco quilos e mamando uma
enormidade. Os vizinhos comentaram que “Seu” Veiga não gostou, ainda que se
conformasse, com a vinda de mais um herdeiro, só porque já lhe faltavam
palavras relacionadas a livros para denominar a criança.
Só meses
depois, na hora do batizado, o pai foi informado da antiga promessa. Ficou
furioso com a mulher, esbravejou, bufou, mas — bom católico — acabou
concordando em parte. E assim, em vez de receber somente o nome suave de Maria,
a garotinha foi registrada, no livro da paróquia, após a cerimônia batismal,
como Errata Maria da Veiga.
Estava
cumprida a promessa de Dona Odete, estava de pé a mania de “Seu” Veiga.
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