RUBEM ALVES
BOA ESPERANÇA-MG = 1933
Perguntaram-Me Se Acredito
Em Deus...
ACONTECEU AO
final de um debate sobre educação promovido pela Folha. Chegada a hora das
perguntas uma senhora me perguntou algo que nada tinha a ver com educação.
Perguntou porque lhe doía: "O senhor acredita em Deus?" Houve tempo
em que era mais fácil acreditar em Deus. Hoje até o Papa se atrapalha. Na sua
visita ao campo de concentração de Treblinka perguntou o que não deveria ter
perguntado: "Onde estava Deus quando esse horror aconteceu?"
Heresia porque a
pergunta silenciosamente afirma que Deus não estava lá. Se estivesse não teria
deixado aquele horror acontecer. Pois Deus não é amor e todo poderoso? Se
estava lá e deixou acontecer ou ele não é amor ou não é todo poderoso. Por
outro lado, se ele não estava lá ele não é onipresente...
Depois do
atentado terrorista ao World Trade Center o "New York Times" publicou
um artigo com essa mesma pergunta: Onde estava Deus? Se estava lá, por que
deixou acontecer?
Dietrich
Bonhoffer, pastor protestante que foi enforcado por haver participado de um
frustrado atentado para assassinar Hitler -às vezes não há como fugir: ou matar
um único, para que muitos não sejam mortos, ou, para preservar a pureza
pessoal, não matar esse único e deixar que milhares sejam mortos; a inocência
pode ser mais criminosa que o crime..., lutou com essa pergunta: "Onde
está Deus?" Sua resposta foi simples: "Deus está aqui, mas ele é
fraco..."
Se Deus existe e
é forte, como perdoá-lo por permitir que aconteça o horror de sofrimento que
não deveria acontecer? Mas se Deus é fraco ou não existe, então seria possível
perdoá-lo e amá-lo. Aí choraríamos e diríamos: "Se Deus existisse e fosse
forte isso não aconteceria..." A gente fica, então, com saudade do Deus
que não existe. Mas eu não disse nada disso para aquela senhora. Apenas
perguntei de volta, pedindo um esclarecimento: "Acreditar em qual Deus? Há
tantos... Homens ferozes e vingativos têm um Deus feroz e vingativo que mantém,
para sua própria alegria, uma câmara de torturas chamada Inferno para vingar-se
dos seus desafetos. Há o Deus jardineiro que criou um Paraíso e mora nas
árvores e nas correntes cristalinas. Há o Deus com alma de banqueiro que
contabiliza débitos e créditos... Há o Deus da Cecília Meireles que se confunde
com o mar... Há o Deus erótico que inspira poemas de amor carnal... Há o Deus
que se vende por promessas e faz milagres... E há também o Deus criança de
Alberto Caeiro e Mário Quintana. Qual deles?"
Ela ficou em
silêncio, meio perdida. Então lhe respondi com os versos do Chico:
"Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto para o filho que já
morreu".
E perguntei: "Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?".
E acrescentei: "Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso..."
E perguntei: "Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?".
E acrescentei: "Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso..."
Aí, provocado
pela pergunta daquela mulher desconhecida escrevi um livrinho cujo título é a
pergunta que ela me fez: "Perguntaram-me se acredito em Deus". Àquela
mulher o meu muito obrigado...
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