sábado, 17 de novembro de 2012

POESIA = João Cabral de Melo Neto


JOÃO CABRAL DE MELO NETO
RECIFE-PE  =  1920 / 1999
 
 
 
Uma Evocação Do Recife

O Recife até os anos quarenta
era como os dedos da aranha

que iam cada dia mais longe;
os dedos: as linhas de bonde.

Ninguém falava de seu bairro.
mas desses dedos espalmados

que as linhas de bonde varavam
e a seu lado cristalizavam.

Mora-se na linha do Monteiro,
passado já o Caldeireiro,

depois porém da própria praça
do Monteiro, na Porta d'Água,
mas um pouco antes de Apipucos,
do açude que dá nome ao cujo.

O Recife de então se espalha
aonde o levavam suas garras,
se esgueirando entre as línguas secas
que a maré entre os dedos deixa:

mas que deixa até onde deixa:
ao onde que, ausente das letras,

está presente como mangues
de olhos de água cega, estanques,

que em pesadelo estão presentes
no sono de todo recifense.

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