LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936
Pechada
O
apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo
chamado de "Gaúcho". Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande
do Sul, com um sotaque carregado.
— Aí, Gaúcho!
— Aí, Gaúcho!
—
Fala, Gaúcho!
Perguntaram
para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que
cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim.
Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só.
E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos
falassem a mesma língua, só com pequenas variações?
—
Mas o Gaúcho fala "tu"! — disse o gordo Jorge, que era quem mais
implicava com o novato.
—
E fala certo — disse a professora.
—
Pode-se dizer "tu" e pode-se dizer "você". Os dois estão
certos. Os dois são português.
O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara.
O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara.
Um
dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que
acontecera.
—
O pai atravessou a sinaleira e pechou.
—
O que?
—
O pai. Atravessou a sinaleira e pechou.
A
professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do
menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em
algum hospital.
Gravemente
pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do seu corpo.
—
O que foi que ele disse, tia? — quis saber o gordo Jorge.
—
Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou.
—
E o que é isso?
—
Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu.
—
Nós vinha...
—
Nós vínhamos.
—
Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e
deu uma pechada noutro auto.
A
professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao
mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir
que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito.
"Sinaleira",
obviamente, era sinal, semáforo. "Auto" era automóvel, carro. Mas
"pechar" o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha
palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que "pechar"
vinha do espanhol e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar
para convencer o gordo Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato.
Que já ganhara outro apelido: Pechada.
—
Aí, Pechada!
—
Fala, Pechada!
Nenhum comentário:
Postar um comentário