A Galinha
Fuzilada
MAX NUNES
Naquele tempo era coronel. Hoje, passados que são uns anos, deve ser muito mais. Declaro, em seu favor, que foi o militar mais militar que conheci. Morava em Jacarepaguá, em frente à minha casa, e sua família, muito numerosa, era sua tropa, perfeitamente instruída e disciplinada. Na rua, mesmo em passeio, andavam todos de passo certo, mulher, filhos e cachorro. Seu ardor patriótico fazia-o acordar às cinco da manhã e, no banheiro, cantava todos os hinos que conhecia. Apenas reservava o Hino Nacional, com introdução e tudo, para os dias santos e feriados. A farda era seu invólucro: nunca o vi na rua à paisana.
Esperava o bonde perfeitamente empertigado,
quase em posição de sentido, e continência, apenas para as senhoras e superiores.
A roupa (a farda) era sempre impecável, de vinco firme, com botas que poderiam
servir de espelhos. No tempo da guerra, que acompanhou todinha pelo Repórter
Esso, redobrou de austeridade. Aí já não cumprimentava os vizinhos, e as
continências às senhoras, como tudo na época, foram drasticamente racionadas.
No bairro, todos o respeitavam e não havia ladrão que se atrevesse a passar na
esquina daquela rua. As filhas é que não olhavam com bons olhos aquele excesso
de austeridade. Embora jeitosas, corriam o risco de ficar solteiras, pois
nenhum mancebo se atrevia a aproximar-se da casa, ou melhor, do quartel.
Tinha um hobby: criar galinhas. Possuía
umas cinqüenta cabeças, algumas de boa raça. Todo domingo, num espetáculo
inédito, soltava as galinhas na rua e, de pijama e cinturão — com um bruto
revólver do lado —, ficava vigiando o piquenique. Passados uns trinta minutos,
bastava que fizesse um "Xô, galinha" para que as cinqüenta, uma a
uma, fossem voltando para o jardim da casa e, finalmente, ao galinheiro. Era
uma prova eloqüente de que a disciplina naquela casa era igual para todos.
Até que um domingo não foi bem assim.
Lembro-me bem de uma galinha preta que não atendeu ao primeiro "xô",
provocando, com esse ato de rebeldia, uma repetição do mesmo, em tom menos
amigo. Ocorreu uma nova desobediência, seguida de novo "xô".
Mas a doida, naturalmente julgando-se uma
galinha civil, novamente desatendeu a ordem. Considerando-a insubmissa, e
passível de crime militar, uma vez que estávamos em guerra, o valente coronel
sacou de sua arma e fez partir um balaço que deve ter ido direto ao coração da
galinha. Que nem estrebuchou. Ficou o dia inteiro por ali mesmo, gelando o
sangue, até que foi encontrada por um mulato que, à noite, na encruzilhada, ao
lado do corpo de penas pretas fez acender sete velas de cera. Até hoje, porém,
não se sabe se foi macumba ou velório. E a única testemunha do crime foi este
seu criado que, a respeito, nunca prestou declarações, mesmo porque, até agora,
nada lhe foi perguntado.
Max Nunes nasceu no Rio de Janeiro, em 1922. Médico, acabou se tornando um dos maiores humoristas brasileiros. Criador do famoso programa Balança, mas não cai, da década de 50, na Rádio Nacional, passou pelo Diário da Noite e Tribuna da Imprensa, sendo hoje um dos produtores do programa de tv Jô Soares Onze e meia.
Max Nunes nasceu no Rio de Janeiro, em 1922. Médico, acabou se tornando um dos maiores humoristas brasileiros. Criador do famoso programa Balança, mas não cai, da década de 50, na Rádio Nacional, passou pelo Diário da Noite e Tribuna da Imprensa, sendo hoje um dos produtores do programa de tv Jô Soares Onze e meia.
O texto acima foi extraído do
livro "Uma pulga na camisola — O máximo de Max Nunes", Companhia das
Letras — São Paulo, 1996, pág. 141, seleção e organização de Ruy Castro.
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