CLARICE LISPECTOR
UCRÂNIA, 1920 = BRASIL, 1977
Medo Da Eternidade
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático
contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado
chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que
espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava
para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, porque esta bala
nunca se acaba. Dura a vida inteira.
- Como não acaba? - Parei um instante na rua,
perplexa.
- Não acaba nunca, e pronto.
Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada
para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha
cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não
podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da
boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E
eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível
o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. Com delicadeza,
terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não
errar no ritual que certamente deveria haver.
- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho
dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a
vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer
que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
- Acabou-se o docinho. E agora?
- Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a
mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não
tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na
verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna que
enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de
infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da
eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava
obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão
da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em
fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
- Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não
acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir
mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não
fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da beldade de minha
irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca
por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.
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