sábado, 17 de novembro de 2012

CONTO = Walcir Carrasco


WALCYR CARRASCO
BERNARDINO CAMPOS-SP  =  1951

 

Um Carnaval Inequecível

 
 

O sonho dos dois casais era paz no carnaval. Nada de samba! Munidos de toneladas de protetor solar, partiram em direção a Camburi, no Litoral Norte. Casa alugada de um amigo de um vizinho. Preço bom. Pela descrição, a poucos metros do mar. Abarrotaram-se de mantimentos: pães de fôrma, frios, frutas, água, salsichas e tudo o que se possa necessitar no caso de uma guerra atômica. No caminho se encheram de biscoitos de polvilho. Nenhum resistia ao crec, crec das mordidas!

Ir a pé teria sido mais rápido. Ouviram todos os CDs várias vezes. A conversa foi marcada por mimos.

– Você engordou, Rutinha? – perguntou gentilmente Renato.

– Até perdi 2 quilos no meu novo regime, faz tempo que não me vê. Falei para a Beth fazer também. Não é, Beth?

– Sempre fui magra, só estou um pouquinho fora do...

– Mas uma boa alimentação também ajuda a eliminar a flacidez!

– E você, Rique, tão calado. Olha, não vai passar o carnaval todo assim. Não é o único que está prestes a perder o emprego – contribuiu Beth.

Crec, crec, crec! Trocaram amenidades durante as sete horas da viagem que costuma durar duas e pouco. Ao chegarem, estavam a ponto de se estrangular.

Mais um drama: descarregar o carro. Existe coisa pior que descarregar carro após a estrada? Beth correu para tomar banho. Reclamaram. Ela argumentou:

– Estou toda melecada.

Ressurgiu radiosa quando cada pote de iogurte já estava na geladeira velha, os pães embaixo da pia, e Renato conectado à internet.

– Veio aqui para ficar no computador? – aproximou-se, dengosa.

– Só um minutinho! – declarou ele, anunciando estar ocupado pelas próximas cinco horas.

– Vem me ajudar a abrir as janelas – implorou Rutinha, espirrando.

Tinha alergia a bolor. A casa úmida. Colchões velhos. Renato tentou fazer uma macarronada. Acabou o gás. Ajeitaram-se com sanduíches.

Dia seguinte, o sol! Atracados a guarda-sóis e cadeiras, partiram para a praia. A praia?

– Fica para lá. Melhor ir de carro! – indicou um rapaz.

Caminho péssimo. Sacolejaram até a rua principal. Não havia vaga. Mais fácil seria no centro de São Paulo. Deixaram o carro alguns quarteirões depois. Saltaram como rãs ao chegar à areia fervente. Otimista, Rique abriu os braços:

– Vou dar um mergulho.

A praia estava coalhada de placas de... "Perigo!". Aproximou-se de um grupinho, por segurança. Quase foi atropelado por um jet-ski. Rastejou até o guarda-sol. Coberta de óleo, Rutinha parecia um linguado prestes a ser lançado na frigideira.

– Tudo bem, amor? – sorriu ela.

Naquele instante decidiu se separar.

Sentiram obrigação de aproveitar a praia, apesar do sol escaldante. Na volta, mal conseguiram achar o carro. Dentro, um forno. Compraram gás. Cozinharam. Exaustos, caíram nas camas. Rostos e ombros ardendo!

Então, iniciou-se... o samba! Folia na pousada ao lado! Outro vizinho ligou a televisão no máximo para assistir ao desfile das escolas. Remexeram-se nas camas até amanhecer.

No terceiro dia, quase não se agüentavam em pé. Peles grelhadas. Rique descobriu todos os defeitos de Rutinha. Aliou-se a Beth contra Renato. Os casais decidiram ter conversas definitivas depois da volta.

Enfiaram-se no carro com areia até o cabelo. Pacotes de comida que sobraram. Mais sete horas. Ao chegar, Rutinha viu a irmã na porta. Espirrou. Arreganhou os lábios. Expressou o argumento comum:

– Foi uma delícia!

Neste ano, já separados, os quatros não deixam por menos. Querem se esbaldar na avenida.

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