sábado, 6 de outubro de 2012

POESIA = João Cabral de Melo Neto

JOÃO CABRAL DE MELO NETO
RECIFE-PE = 1920 / 1999


Cais Do Apolo


I

No Cais do Apolo, no Recife,
fazia-se literatura,
com muito beber de cachaça
e indiferentes prostitutas

De dia, nenhuma ia nele
e assim dele pouco sabia:
dos armazéns escancarados
onde açúcar entrava e saia,

onde barcaças, barcaceiros,
onde escritórios, escrituras:
de dia, todo do comércio,
de noite, de Rimbaud, das putas.

De noites, os lampiões amarelos
fingiam a noite européia
entrevista em filme francês
(usava-se muito “atmosfera”)


II

Agora, nenhum Cais do Apolo,
nem Cais do Brum, há que se veja.
São cais nas placas das paredes
mas a água até eles não chega.

Antes foi cais de mar e rio
(no fundo, era cais de maré),
hoje é cais de terra aterrada
(onde as barcaças, chevrolets)

Muitos arranha-céus cresceram
naquelas praias devolutas
e os computadores que trazem
dão com Rimbauds, se algum perdura.

Hoje, no que foi Cais do Apolo
literatura não há mais:
melhor para a literatura
que sem entreluzes se faz.

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