JOÃO CABRAL DE MELO NETO
RECIFE-PE = 1920 / 1999
Cais Do Apolo
I
No Cais do Apolo, no Recife,
fazia-se literatura,
com muito beber de cachaça
e indiferentes prostitutas
De dia, nenhuma ia nele
e assim dele pouco sabia:
dos armazéns escancarados
onde açúcar entrava e saia,
onde barcaças, barcaceiros,
onde escritórios, escrituras:
de dia, todo do comércio,
de noite, de Rimbaud, das putas.
De noites, os lampiões amarelos
fingiam a noite européia
entrevista em filme francês
(usava-se muito “atmosfera”)
II
Agora, nenhum Cais do Apolo,
nem Cais do Brum, há que se veja.
São cais nas placas das paredes
mas a água até eles não chega.
Antes foi cais de mar e rio
(no fundo, era cais de maré),
hoje é cais de terra aterrada
(onde as barcaças, chevrolets)
Muitos arranha-céus cresceram
naquelas praias devolutas
e os computadores que trazem
dão com Rimbauds, se algum perdura.
Hoje, no que foi Cais do Apolo
literatura não há mais:
melhor para a literatura
que sem entreluzes se faz.
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