ARTUR AZEVEDO(*)
A Escrava
Eu não fui criada a esmo
com quanto fosse uma escrava.
Muitas vezes Sinhazinha
junto de si me assentava,
e me ensinava leitura,
e a rabiscar me ensinava.
Era, porém, na costura
que eu mostrava mais primor,
vestidos fazia a ponto
de muita gente supor
que eram obra da madama
lá da rua do Ouvidor.
Não havia nem mucama
com tão raros predicados!
Como eu engomava as rendas,
as pregas e os apanhados,
do ferro levando o bico
aos refolhos dos babados!
Era o meu senhor tão rico,
tinha tantas relações,
que não perdia um só baile
nem outras quaisquer funções.
E todas as quartas-feiras
dava em casa reuniões.
Eram muito pagodeiros
que Sinhá, quer Sinhazinha:
de um baile mal descansavam,
outro convite lá vinha!
E quem é que as enfeitava?
a boa da mulatinha!
Que trabalho isso custava!
Porém, que satisfação
quando depois de vestí-las,
dava a última demão,
co'os alfinetes na boca,
ajoelhada no chão.
(*) ARTUR NABANTINO GONÇALVES DE AZEVEDO = SÃO LUÍS-MA = 1855 / 1908
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