VINÍCIUS DE MORAES
RIO DE JANEIRO-RJ = 1913 - 1980
Separação
Voltou-se e
mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente
irremediável.
No íntimo,
preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar
a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é
história do mundo.
Ela o olhava com
um olhar intenso onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe,
ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo
impossível entre eles.
Viu-a assim por
um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra
ambiente que era para ele como a luz da memória.
Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa.
Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa.
Lembrar-se-ia
haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de
separação.
Seus olhares
fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente
e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer.
Disse-lhe adeus
com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa
de secionar aqueles das mundos que eram ele e ela.
Mas o brusco
movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da
vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto
formar-se multo longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que
nasce.
Fechou os olhos,
tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e
dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças
para desprender-se dela.
Sabia que era
aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos
buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca.
Sabia, também,
que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e
ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se
dela cada vez mais, cada vez mais.
E no entanto ali
estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma
feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos
e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos.
Tentou
imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em
suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre
todas as coisas criadas.
De súbito, sentindo
que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para
onde…
Nenhum comentário:
Postar um comentário