sábado, 30 de junho de 2012

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936



A Cláusula Do Elevador




Porque eram precavidos, porque queriam que sua união desse certo, e principalmente porque eram advogados, fizeram um contrato nupcial. Um instrumento particular, só entre os dois, separado das formalidades usuais de um casamento civil. Nele estariam explicitados os deveres e os compromissos de cada um até que a morte ou o descumprimento de qualquer uma das cláusulas os separasse.

Passaram boa parte do noivado preparando o documento. Tudo correu bem até chegarem à cláusula que tratava da fidelidade. Ele ponderou, chamando-a de "cara colega" entre risadas (estavam na cama), que a obrigação de ser fiel deveria constar no contrato, claro, desde que a cláusula correspondente permitisse uma certa flexibilidade.

- Vejo que o nobre causídico advoga em sem-vergonhice própria - brincou ela, cutucando-o.

- Não, não, disse ele. - Só acho que devemos levar em consideração as hipóteses heterodoxas. As eventualidades aleatórias. As circunstâncias atenuantes. Em outras palavras, as oportunidades imperdíveis.

E exemplificou:

- Digamos que eu fique preso num elevador com a Luana Piovani.

- Sei.

- Só eu e ela.

- Certo.

- Depois de 10, 15 minutos, ela diz "Calor, né?" e desabotoa a blusa. Mais dez minutos e ela tira toda a roupa. Mais cinco minutos e ela diz "Não adiantou" e começa a abrir o zíper da minha calça...

- Sim.

- O contrato deveria prever que, em casos assim, eu estaria automaticamente liberado dos seus termos restritivos.

Ela concordou, em tese, mas argumentou que a licença pleiteada deveria ser mais específica, rechaçando a sugestão dele de que o inciso expiatório se referisse genericamente a "Luana Piovani ou similar". Depois de alguma discussão, ficou decidido que ele estaria automaticamente liberado da obrigação contratual de ser fiel a ela no caso de ficar preso num elevador com a Patrícia Pillar, a Luma de Oliveira, ou uma das duas (ou as duas) moças do "Tchan", além da Luana Piovani, se o socorro demorasse mais de 20 minutos.

Isto estabelecido, ela disse:

- No meu caso, deixa ver...

- Como, no seu caso???

- No caso de eu ficar presa num elevador com alguém.

- Defina "alguém".

- Sei lá. O Maurício Mattar. O Antônio Fagundes. O Vampeta.

- O Vampeta não!

- É só um exemplo.

- Não pode ser brasileiro!

- Ah, é? Ah, é?

Foi a primeira briga deles. Ele se considerava um homem moderno e um escravo da justiça, mas aquilo era demais. Não conseguia imaginar ela presa num elevador com um homem irresistível, ainda mais com a absolvição pelo adultério garantida em contrato.

Sugeriu o Richard Gere. Ela não era louca pelo Richard Gere? O Richard Gere ele admitia. Ela achou muito engraçado. As chances de ela ficar presa num elevador com o Richard Gere eram muito menores do que as chances dele de ficar preso com a Luana Piovani, que morava no Brasil, ora faça-me o favor.

- Então o Julio Iglesias.

- O quê?!

- O Julio Iglesias vem muito ao Brasil.

- Eu tenho horror do Julio Iglesias!

- Bom, se você vai começar a escolher...

Finalmente , chegaram a um acordo. Ele ainda relutou, mas no fim se viu sem nenhuma objeção convincente. Ela estaria liberada de ser fiel a ele se um dia ficasse presa num elevador com o Chico Buarque. Mas só com o Chico Buarque. E só se o socorro demorasse mais de uma hora!



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