MAXIMIANO CAMPOS
RECIFE-PE = 1941 / 1998
UMA TARDE, apareceu diante de mim um homem com um aspecto muito triste, comovido. Sem quê nem pra quê, começou a falar. Eu apenas o conhecia de vista. Só depois, tomei conhecimento de que não mentia: já havia repetido a outros a mesma estória. Com pequenas variações, sempre a mesma estória."Entrei no quarto. Meu filho estava deitado na cama, vi o rosto pálido, as pequenas mãos segurando o brinquedo predileto, um pequeno automóvel de plástico.
Vinha cansado do trabalho, da repartição, dos problemas, das mesquinharias. Aproximei-me da sua cama, ele riu quando me viu. Mas, logo depois, começou a gemer baixinho. Comecei a alisar os seus cabelos, indaguei se ele estava querendo alguma coisa. Perguntou-me quando ficaria bom. Não lembro direito o que respondi, sei somente que menti. Pediu, então, que lhe contasse uma estória, uma estória bonita.Minha mulher entrou no quarto, sentou-se ao lado do filho, trazia alguns remédios que ele deveria tomar. Prometeu que, se ele tomasse os remédios, eu contaria uma estória bonita. Recusou, chorou. Saí do quarto. Fui até o terraço fumar um cigarro, percebi que havia alguém chegando. Era o médico. Chamou-me logo para uma conversa reservada. Começou com os rodeios de costume em conversas dessa espécie, ouvi. A sala rodopiou, senti um punhal cravado no peito, uma angústia, um desespero, a vontade estraçalhada. 'E o senhor pode dizer, assim, que o meu filho vai morrer? Pode?' — gritei investindo contra aquela figura vestida de branco, com os cabelos grisalhos. Mas me contive a tempo, pedi desculpa, estava desesperado. Sentei numa poltrona, não consegui me controlar e chorei muito. Sentado diante de mim, o médico permanecia calado. Felizmente, minha mulher não presenciara nem ouvira a minha reação. Estava lá no quarto, ao lado do filho. Ainda não sabia nem parecia desconfiar da fatalidade preste a desabar. Percebi que precisava ser forte; sempre precisamos ser fortes. O médico levantou-se para ir ver o menino. Ficou de pé, diante de mim: 'Infelizmente, a junta médica que reuni ontem confirmou o meu diagnóstico, o resultado dos exames não permite dúvidas. Seja corajoso, amanhã a sua mulher também deverá ficar sabendo de tudo, vai precisar do seu apoio'. Dirigiu-se para o quarto. Tive vontade de botá-lo para fora de casa, mas me contive outra vez. Não sei quanto tempo passei afundado naquela poltrona. Vi, outra vez, o médico diante de mim, despedindo-se, dizendo que, na manhã seguinte voltaria. Parece que falou em milagre, que eu esperasse um milagre, acho que foi essa a única tentativa que fez para me animar.
<!--[if !supportLists]-->o <!--[endif]-->Minha mulher ainda permanecia no quarto. Levantei-me, fui lavar o rosto, esconder um pouco a aflição, as marcar do pranto. Reuni pedaços da coragem destroçada, entrei novamente no quarto: 'Papai, tomei os remédios, conte a estória que o senhor prometeu'. Mas o que poderia contar? Dizer que o mundo era bom? Falar de Deus? Sônia percebeu no meu rosto as marcas da profunda comoção, perguntou se eu estava me sentindo bem. Respondi que sim, triste como o uivo de um cão enxotado. Amanhã, pensei, ela também ficará sabendo, amanhã, amanhã, amanhã. As palavras começaram a se embaralhar no emaranhado dos meus pensamentos. Amanhã seria a vez dela sofrer a notícia estraçalhante. 'Papai, conte uma estória, o senhor prometeu'. Não me ocorria nada. Ah, se algum anjo bom me soprasse no ouvido uma estória, uma boa notícia! Se ele dissesse que tudo era um engano. Fiz um esforço tremendo para ver se me ocorria alguma estória para contar ao meu filho. Uma estória que espantasse a cadela desapiedada que rondava aquele corpo pequeno, raquítico, dolorido e inocente. Não acertava contar nenhuma estória. Disse-lhe que estava pensando primeira para, depois, começar. 'Conte uma que o senhor tenha escrito. Uma de seus livros'. Tive vontade de ir até o meu escritório e rasgar os meus livros manuscritos. Nada que eu havia escrito, até então, servia para alegrar uma criança. Depois, iria rasgá-los, mas, naquele momento, eu precisava contar uma estória. Vi que a minha mulher havia se deitado ao lado do filho e que adormecera. Devia estar exausta. Aconselhei-o que tentasse dormir e, no dia seguinte, eu lhe contaria uma estória. Fez cara de choro, insistiu. Comecei a falar, a prometer presentes, passeios. A dizer que, quando crescesse, ele seria um grande homem cuidaria dos pais já velhos. A dizer que lhe queria muito bem. Ele não dormia. Insone, insistia: 'Continue a falar. O senhor ainda não contou uma estória'. Fui falando, falando, contando a ele a minha própria vida, comecei pela minha infância. Às vezes, ele ria. Finalmente, notei quando ele adormeceu. Continuei falando, falando. Falava alto, queria que ele escutasse. O dia já estava amanhecendo, os primeiros raios de sol entrando pela clarabóia da janela. O dia já havia tomado força e o sol estava bastante alto, quando minha mulher acordou. Assustou-se quando me ouviu falando. Lembro-me de que estava dizendo: 'Sempre acreditei que Cristo gostava muito das crianças. Tudo o que é bom no mundo tem muito de criança, tudo o que é bom no mundo...'
Os gritos da minha mulher misturavam-se ao que eu estava dizendo. Ela estava dizendo. Ela tentava acordar o filho que continuava dormindo, sacudia-o pelos ombros, batia no seu rosto. E eu falando, falando, até que parei para continuar pastoreando a minha dor e nunca mais acertar contar nada, nada, nada. Tudo o que sei e falo agora é para dizer aos outros que a única coisa que aprendi é que ninguém pode deixar de saber uma estória que alegre uma criança. Eu não soube. E sempre acreditei... Por que não dizer? Sempre acreditei que Cristo e as legiões dos seus anjos contam estórias às crianças. Depois, essas crianças, elas próprias, vão contando umas às outras que os anjos não chegam a envelhecer".
1859-1891
Nenhum comentário:
Postar um comentário