HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
/ 1934
A Buzina
Quando o Pulcherio entrou para o
serviço do dr. Borges Bastos, com as funções de "chaffeur" viu, logo,
que, mais cedo, ou mais tarde, ficaria comprometido: a Maria Luíza, mulata
escura, cria da casa, era uma verdadeira tentação, com aquele corpo coleante e,
sobretudo, com aquele colo atrevido, que era um desafio permanente à instintiva
brutalidade dos homens.
Maria Luíza sabia o valor desses
atributos, e procurava, sempre, pô-los em destaque. E tanto sabia, que, à
tarde, antes do doutor voltar para casa, no automóvel, desabotoava o corpilho,
atirava-o para o canto, deixando que o busto se manifestasse livre, farto,
opulento, balouçando sob a camisinha leve, que tinha, por cima, a blusinha de
cassa ordinária.
Tentado por aquele diabrete de
chocolate, o Pulchério foi, pouco a pouco, tomando certos atrevimentos. E tais
foram estes, que, uma tarde, ao entrar na cozinha, onde o "chaffeur"
e a Maria Luíza conversavam debruçados numa janela, mme. Borges não se conteve,
gritando:
— "Seu" insolente! Ponha-se
já daqui para fora! Já!...
Que teria sido? Que indignidade estava
praticando o rapaz, para ser expulso de modo tão peremptório? Ninguém sabe. O
que é certo, porém, é que, um mês depois, Maria Luíza recebia uma carta, que
dizia assim:
"Minha querida. — Vou embarcar
para o norte, como taifeiro de um vapor do Lloyd. A vida do
"chaffeur" é mais rendosa, mas me é impossível continuar nela, por
tua causa. Pois eu não posso apertar a buzina do carro, Maria Luíza, sem
lembrar-me de ti, dos agrados que te fazia, das horas que passávamos juntos.
Adeus, até a volta. — Pulchério".
Ao receber essa carta, a cafusa
apertou-a de encontro ao coração. E foi ao fazer esse gesto, que ela
compreendeu, coitada! O que deveriam ser as saudades do Pulchério, ao apertar,
longe dela, a buzina do automóvel.
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