BELO
HORIZONTE-MG = 1923-2004
A Mulher Vestida
Eu estava num centro comercial de
Copacabana e era sábado, pouco depois do meio-dia. Às tantas, comecei a ouvir
uma martelação de ensurdecer. O dono de uma lojinha de sapatos para senhoras
chegou-se à porta, assustado:
- Que será isso?
E saiu pelo corredor a investigar.
Caminhávamos na mesma direção e logo descobrimos que o ruído vinha de uma sala
fechada, um curso de ginástica. Batiam desesperadamente na porta, lá dentro –
com um haltere, no mínimo.
- Que está acontecendo? – o sapateiro
gritou do lado de cá.
Uma voz chorosa de mulher explicou que
a porta estava trancada, que ela não podia sair.
- Quede a chave? – berrou o homem.
- O professor levou – respondeu a voz.
- Que professor?
- O professor de ginástica.
- Espere que eu vou buscar o zelador-
arrematou o homem, solícito.
E se voltou para mim :
- O senhor podia fazer o favor de
procurar o zelador para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha loja sem
ninguém.
Não tive outro jeito senão sair à
procura do zelador.
Era delicado e solícito, mas
infelizmente não podia fazer nada: não tinha a chave da sala.
Voltei ao corredor, vencendo a tentação
de cair fora de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A bateção
recomeçara, ela parecia disposta a botar a porta abaixo:
- Abre essa porta! Pelo amor de Deus!
- Calma, minha senhora – berrei do lado
de cá: – Vamos ver se a gente dá um jeito.
No corredor ia-se juntando gente, e
várias sugestões eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar o Corpo de
Bombeiros, retirá-la pela janela.
- Deve ser uma mulher forte.
- Eu se fosse ela aproveitava e
quebrava tudo lá dentro.
Pensei em transferir a alguém mais a
tarefa que o sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que parecesse
disposto a aceitar a responsabilidade: todos se limitavam a fazer comentários
jocosos, estavam é se divertindo com o incidente. De súbito me ocorreu
perguntar à mulher o número de telefone do professor. Foi um custo fazê-la
cantar de lá a resposta, algarismo por algarismo.
Saí para a rua à procura de um telefone
– tive de andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde fiquei aguardando
na fila. Chegou afinal a minha vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente
filha do professor. Que ainda não havia chegado em casa, pelo que pude
entender:
- Escuta, meu benzinho, diga para o
papai que tem uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está me entendendo?
Repete comigo : uma mulher trancada…
Não havendo mais nada a fazer, resolvi
tomar o caminho de casa – mas a curiosidade me arrastou mais uma vez até ao
centro comercial.
O interesse conquistara todo o andar,
espalhava-se aos demais, ganhava a rua : gente se acotovelava diante do prédio,
agora era uma multidão de verdade que acompanhava os acontecimentos :
- Por que não arrombam a porta de uma
vez?
- O que a mulher está fazendo lá
dentro?
- Dizem que ela está nua.
A palavra mágica correu logo entre a
multidão : nua, uma mulher nua! E cada vez juntava mais gente, ameaçando
interromper o tráfego :
- Mulher nua! Mulher nua! – gritavam os
moleques.
Dois soldados da polícia militar,
passaram correndo, cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A
multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar decidido pedia licença e ia
entrando pelo centro comercial adentro, como quem vai resolver o problema.
Devia ser algum comissário de polícia.
Era o professor, que comparecia com a
chave. Em pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a mulher saiu,
ressabiada – completamente vestida. Era baixinha e meia gorda, estava mesmo
precisando de ginástica.
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