ARTUR DE AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA
= 1855-1908
A Melhor Vingança
O Vieirinha namorou durante dois anos a Xandoca; mas o pai dele, quando
soube do namoro, fez intervir a sua autoridade paterna.
- A rapariga não tem eira nem beira, meu rapaz; o pai é um simples
empregado público que mal ganha para sustentar a família! Foge dela antes que
as coisas assumam proporções maiores, porque, se te casares com essa moça, não
contes absolutamente comigo - faze de conta que morri, e morri sem te deixar
vintém. Tu és bonito, inteligente, e tens a ventura de ser meu filho; podes
fazer um bom casamento.
Não sei se o Víeirinha gostava deveras da Xandoca; só sei que depois
dessa observação do Comendador Vieira nunca mais passou pela Rua Francisco
Eugênio, onde a rapariga todas as tardes o esperava com um sorriso nos lábios e
o coração a palpitar de esperança e de amor.
O brusco desaparecimento do moço fez com que ela sofresse muito, pois
que já se considerava noiva, e era tida como tal por toda a vizinhança; faltava
apenas o pedido oficial.
Entretanto, Xandoca, passado algum tempo, começou a consolar-se, porque
outro homem, se bem que menos jovem, menos bonito e menos elegante que o
Vieirinha, entrou a requestá-la seriamente, e não tardou a oferecer-lhe o seu
nome. Pouco tempo depois estavam casados.
Dir-se-ia que Xandoca foi uma boa fada que entrou em casa desse homem.
Logo que ele se casou, o seu estabelecimento comercial entrou num maravilhoso
período de prosperidade. Em pouco mais de dois anos, Cardoso - era esse o seu
nome - estava rico; e era um dos negociantes mais considerados e mais adulados
da praça do Rio de Janeiro.
Ele e Xandoca amavam-se e viviam na mais perfeita harmonia, gozando, sem
ostentação, os seus haveres e de vez em quando correndo mundo.
Uma tarde em que D. Alexandrina (já ninguém a chamava Xandoca) estava à
janela do seu palacete, em companhia do marido, viu passar na rua um bêbedo
maltrapilho, que servia de divertimento aos garotos, e reconheceu, surpresa,
que o desgraçado era o Víeirinha.
Ficou tão comovida, que o Cardoso suspeitou, naturalmente, que ela
conhecesse o pobre-diabo, e interrogou-a neste sentido.
- Antes de nos casarmos, respondeu ela, confessei-te, com toda a
lealdade, que tinha sido namorada e noiva, ou quase noiva, de um miserável que
fugiu de mim, sem me dar a menor satisfação, para obedecer a uma intimação do
pai.
- Bem sei, o tal Víeirinha, filho do Comendador Vieira, que morreu há
três ou quatro anos, depois de ter perdido em especulações da bolsa tudo quanto
possuía.
- Pois bem - o Vieirinha ali está!
E Alexandrina apontou para o bêbado, que afinal caíra sobre a calçada, e
dormia.
- Pois, filha, disse o Cardoso, tens agora uma boa ocasião de te
vingares!
- Queres tu melhor vingança?
- Certamente, muito melhor, e, se me dás licença, agirei por ti.
- Faze o que quiseres, contanto que não lhe faças mal.
- Pelo contrário.
Quando no dia seguinte o Vieirinha despertou, estava comodamente deitado
numa cama limpa e tinha diante de si um homem de confiança do Cardoso.
- Onde estou eu?
- Não se importe. Levante-se para tomar banho!
O Vieirinha deixou-se levar como uma criança. Tomou banho, vestiu roupas
novas, foi submetido à tesoura e à navalha de um barbeiro, e almoçou como um
príncipe.
Depois de tudo isso, foi levado pelo mesmo homem a uma fábrica, onde,
por ordem do Cardoso, ficou empregado.
Antes de se retirar, o homem que o levava deu-lhe algum dinheiro e
disse-lhe:
- O senhor fica empregado nesta fábrica até o dia em que torne a beber.
- Mas a quem devo tantos benefícios?
- A uma pessoa que se compadeceu do senhor e deseja guardar o incógnito.
O Vieirinha atribuiu tudo a qualquer velho amigo do pai; deixou de
beber, tomou caminho, não é mau empregado, e há de morrer sem nunca ter sabido
que a sua regeneração foi uma vingança.
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