domingo, 29 de março de 2015
POESIA = César Leal
Análise Da
Sombra
Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.
E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.
Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago
da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.
Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.
E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.
Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago
da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.
Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.
CÉSAR LEAL
SABOEIRO-CE =
1924-2013
CRÔNICA = Luiz Vilela
Coisas De Hotel
Era meu vizinho, morava no quarto ao lado. Hoje, de manhã, quando a servente
veio fazer a limpeza, encontrou-o morto. Eu não estava na hora, já tinha saído
para o trabalho; e de tarde, quando cheguei, já tinham levado o corpo. Morreu
durante a noite. Parece que ainda não sabem se foi morte natural ou suicídio.
Ele chamava-se João. Até ontem eu pensava que o seu nome fosse Alberto. Deve
ser porque alguma vez ouvi, por engano, alguém se referir a ele com esse nome.
Não me lembro de quem ou quando foi, mas só pode ser, porque nunca conversamos
e ele nunca teve a oportunidade de me dizer o seu nome, ou eu de perguntar.
Apesar de vizinhos, nunca fomos um ao quarto do outro. Mas isso não tem nada de
mais, é uma situação comum num hotel; há pessoas que passam anos morando em
quartos vizinhos e às vezes não trocam nem mesmo uma palavra.
Havia talvez mais de ano já que ele morava aqui. Lembro-me dele no hotel há um
bom tempo, embora não me recorde exatamente da primeira vez em que o vi. A não
ser quando é uma pessoa com alguma característica marcante, a gente não presta
muita atenção nos hóspedes novos; uma hora a gente cruza no corredor e observa
que a pessoa é nova no hotel, mas pode ser que antes disso, ontem ou anteontem,
já tenhamos passado por ela mais de uma vez e nem reparado. É que há sempre
gente chegando e saindo, e quem já mora
no hotel há mais tempo se acostuma com esse movimento.
Ele era uma pessoa comum, não se distinguia por nada. A velha do trinta e
quatro, por exemplo: esta, desde o primeiro dia em que a vi me chamou a
atenção, com aquele vestido quase batendo nos pés, o coque, e a cara
fantasmagórica. Até hoje, quando passo por ela, ainda a observo — de
maneira discreta, evidentemente. Mas ele, não. Lembrando-me agora das vezes em
que o vi, que cruzei com ele no corredor, sei dizer que ele era de estatura
média, idade mais ou menos de uns trinta anos, o andar lento, sempre de terno
escuro e gravata. Pouco mais do que isso eu poderia dizer. E não falo assim da
cor dos olhos, ou, por exemplo, se ele tinha alguma cicatriz no rosto; falo de
sua aparência. Era uma pessoa alegre? Triste? Preocupada? Não saberia dizer;
pelo menos, com segurança. Cumprimentávamo-nos, e posso dizer que ele era uma
pessoa educada. Mas não me lembro de alguma vez que ele tenha me sorrido, além
desse vago sorriso que acompanha um bom-dia ou um boa-noite. Mas nem por isso,
também, tinha cara de poucos-amigos. A impressão que me fica dele, agora que
ele está morto e que me lembro das vezes em que o vi, é a de uma pessoa
simpática, educada, calada.
Chego a pensar que poderíamos ter sido bons amigos. É um pensamento que me vem
agora dessas impressões; na verdade, não há nada que me garanta isso, pois eu
não sabia, nem sei ainda, praticamente nada a respeito dele. Nem o seu nome eu
sabia... Julgo pelas impressões. É uma pessoa de quem eu teria prazer em me
aproximar e puxar conversa, tornar-me amigo. Quanto a ele, não sei, não posso
ter idéia do que ele pensava em relação a mim. Mas imagino que ele me encarasse
também com alguma simpatia, já que, pelo menos nas aparências, tínhamos alguma
coisa em comum: esse mesmo jeito calado.
Penso tudo isso agora que ele morreu e que essas coisas não poderão mais
acontecer. Mas, talvez, eu já pensasse antes; apenas não cheguei a expressá-lo
claramente para mim, como faço agora. É que nunca dei maior atenção à coisa.
Tenho a cabeça sempre muito cheia de preocupações. Meu serviço é muito
absorvente; mesmo no hotel, quando chego à noite, é difícil pensar em algo que
não esteja relacionado a ele. E quando isso me cansa ou aborrece, o que
geralmente faço é ir a um cinema, ou então beber com algum amigo no bar. Se
estou com preguiça de sair ou sem vontade, ligo o rádio e fico escutando música
até vir o sono. Nunca, nessas ocasiões, pensei no vizinho.
Para dizer a verdade, era como se ele não existisse, ou que tanto fazia ele
existir como não existir. Eu sabia que havia um outro quarto ao lado do meu e
que nesse quarto morava outra pessoa que era aquele homem que eu via no
corredor e cumprimentava; mas nunca me pus a pensar detidamente nisso. Eu
tinha, ali no hotel, o meu quarto para dormir; e fora, na rua, o serviço, os
amigos e as diversões. Era isso o meu mundo. O homem do quarto vizinho não
entrava nele; eu não sentia necessidade dele, e por isso não pensava nele. Pode
ser que o mesmo acontecesse com ele: talvez também não sentisse necessidade de
mim e não pensasse em mim.
Agora ele morreu, e penso nele; mas é apenas porque sua morte me impressiona.
Pois, fico lembrando, ontem mesmo passei por ele e o cumprimentei — e agora ele
está morto. Mas não sinto nenhuma espécie de tristeza. Não éramos amigos. Não
chegávamos a ser nem mesmo conhecidos. Simplesmente vizinhos. Como já houve
outros antes dele, de que ainda me lembro ou que já esqueci, e como haverá
outros depois dele. Daqui a alguns dias, talvez até amanhã mesmo, outra pessoa
virá morar no lugar dele. Há sempre gente procurando quartos, e o hotel não
quer perder dinheiro.
LUIZ VILELA
ITUIUTABA-MG = 1942
POESIA = Bastos Tigre
Lembranças Do Passado
Entra pela
velhice com cuidado
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertam lembranças do passado,
Sonhos de glórias, ilusões de amores.
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertam lembranças do passado,
Sonhos de glórias, ilusões de amores.
Do que tiveres
no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores.
Mas lavra ainda e planta o teu eirado,
Que outros virão colher quando te fores.
Apanha os frutos e recolhe as flores.
Mas lavra ainda e planta o teu eirado,
Que outros virão colher quando te fores.
Não te seja a
velhice enfermidade,
Alimenta no espírito a saúde,
Luta contra as tibiezas da vontade.
Alimenta no espírito a saúde,
Luta contra as tibiezas da vontade.
Que a neve
caia, o teu ardor não mude.
Mantém-te jovem, pouco importa a idade.
Tem cada idade a sua juventude...
Mantém-te jovem, pouco importa a idade.
Tem cada idade a sua juventude...
BASTOS TIGRE
RECIFE-PE = 1882-1957
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