domingo, 25 de janeiro de 2015

VÍDEO = Kurt Edelhagen


GRANDES PINTORES

 PIETRO ROTARI = Itália, 1707-1762
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
 PIETRO ROTARI
PIETRO ROTARI = Itália, 1707-1762

CONTO = Anton Tchecov




O salão do Conselheiro de Estado Charamikin está mergulhado em agradável penumbra. A grande lâmpada de bronze, com seu quebra-luz verde, tinge, à maneira de uma “noite da Ucrânia”, as paredes, os móveis, as fisionomias… De quando em quando, na lareira expirante, abrasa-se uma acha que se consome, e por um instante projeta nos rostos um clarão de incêndio. Isto, porém, não perturba a harmonia geral das luzes. O tom de conjunto, como diriam os pintores, mantém-se.
Ao pé da lareira, acha-se afundado em uma poltrona, na postura dum homem que acaba de jantar, Charamikin em pessoa, senhor idoso, de suíças cinzentas de funcionário, olhos de um azul doce. Transparece-lhe no rosto a benignidade. Um sorriso melancólico franze-lhe os lábios. A seus pés, sobre um mocho, com as pernas voltadas para a lareira e estirando-se preguiçosamente, está sentado o Vice-Governador Lopnef, galharda figura de cerca de quarenta anos.
Junto ao piano brincam os filhos de Charamikin – Nina, Kólia, Nádia e Vânia.
Do salão da Sra. Charamikin chega, pela porta entreaberta, uma luz tímida. Ali, sentada à secretária, vê-se Ana Pavlovna, presidenta do Comitê das damas da cidade — jovem senhora, viva e picante, dos seus trinta anos e mais alguma coisa. Através do lornhom, os olhos negros e vivos deslizam pelas páginas de um romance francês. Sob o romance encontra-se, dilacerado, um relatório do Comitê, do ano anterior.
— Antigamente, nesse ponto de vista — diz Charamikin, piscando os olhos pacatos à claridade dos tições morrediços —, nossa cidade era mais favorecida. Não se passava um inverno que não aparecesse alguma estrela. Tivemos atores e cantores célebres. E agora?… Sabe o diabo o que é! Afora prestidigitadores e tocadores de realejo, não vem mais ninguém. Nenhum prazer estético… Parece que vivemos no mato… Sim… Lembra-se, Excelência, daquele trágico italiano?… Como se chamava mesmo?… Um moreno, alto… Queira Deus que eu me lembre! Ah! sim! Luigi Ernesto di Ruggiero. Um talento notável… Que força! Era ele abrir a boca, e o teatro em peso estremecia. A minha Anniutotchka se interessava muito pelo talento dele. Conseguiu-lhe o teatro e vendeu bilhetes para dez espetáculos… Ele, em recompensa, lhe deu lições de declamação e de música. Um amor de homem! Ele esteve aqui… não vá eu enganar-me… há doze anos… Não, estou enganado… Menos, apenas dez. Anniutotchka, que idade tem a nossa Nina?
— Vai fazer dez anos — gritou Ana Pavlovna lá do seu escritório. — Por quê?
— Nada, minha filhinha, só para saber… E às vezes também vinham bons cantores… Lembra-se do tenore di grazia Priliptchin? Que amor de homem! Que aparência!… Um louro… semblante expressivo, maneiras parisienses… E que voz, Excelência! Só tinha um defeito: cantava algumas notas com o ventre e emitia o ré em falsete; no mais, tudo era bom. Dizia-se aluno de Tamberlick… Anniutotchka e eu conseguimos para ele o salão do Círculo, e, como prova de gratidão, ele cantava em nossa casa, dias e noites… Ensinava canto a Anniutotchka… Esteve aqui, lembro-me bem, pela Quaresma, isto há… doze anos. Não, mais!… Que memória, santo Deus! Anniutotchka, quantos anos tem a nossa pequena Nádia?
— Doze anos.
— Doze… se acrescentarmos dez meses… Exatamente… treze anos!… Antigamente havia na cidade — como direi? — mais vida… Vejamos, por exemplo, os nossos saraus de beneficência. Que belos saraus que houve… Que encanto! Tocava-se, cantava-se, declamava-se… Depois da guerra, lembro-me bem, houve aqui prisioneiros turcos. Anniutotchka organizou um sarau em benefício dos feridos. Rendeu mil e cem rublos… Os oficiais turcos ficaram doidos com a voz de Anniutotchka, e levavam o tempo a lhe beijar a mão. Eh! eh!… Apesar de asiáticos, são pessoas reconhecidas, os turcos. O sarau alcançou tamanho êxito que — imagine V. Exa. — eu anotei no meu diário. Isto foi, se estou bem lembrado, em 76… Não… Em 77… Não! Um momento! Quando foi mesmo que tivemos os turcos? Anniutotchka, quantos anos tem o nosso Kolitchka?
— Eu tenho sete anos, papai — disse Kólia, garoto trigueiro, de cabelos pretos como carvão.
— Sim, a gente envelhece — assenta Charamikin, sorrindo. — A nossa energia já não é a mesma… Eis aí a razão de tudo… A velhice, meu caro! Faltam precursores novos, e os velhos envelheceram… Já não se tem o mesmo ardor. Quando eu era mais moço, não gostava que as pessoas se aborrecessem… Era o primeiro a ajudar a nossa Ana Pavlovna… Tratava-se de organizar um sarau de beneficência, uma tômbola, de dar apoio a uma celebridade estrangeira? Eu largava tudo e metia mãos à obra… Um inverno, recordo-me bem, corri tanto, trabalhei tanto, que caí doente… Não posso esquecer esse inverno… Lembra-se do espetáculo que organizamos com a nossa Ana Pavlovna em benefício das vítimas do incêndio?
— Em que ano foi isso?
— Não faz muito tempo… Em 79. Não, creio que em 80. Um momento. Que idade tem nosso Vânia?
— Cinco anos — grita Ana Pavlovna lá do seu salão.
— Então foi há seis anos… Sim, meu caro, tantas coisas… Agora já não há nada disso! O ardor já não é o mesmo.
Lopnef e Charamikin meditam. A acha morrediça aviva-se pela última vez e se cobre de cinza.

ANTON TCHECOV
RÚSSIA  =  1860-1904

VÍDEO = Frederic Chopin


POESIAS = Diversos





HUMOR











POESIA = Alberto da Cunha Melo



Formas De Abençoar


Fique aqui mesmo, morra antes
de mim, mas não vá para o mundo.
Repito: não vá para o mundo,
que o mundo tem gente, meu filho.

Por mais calado que você
seja, será crucificado.
Por mais sozinho que você
seja, será crucificado.

Há uma mentira por aí
chamada infância, você tem?
Mesmo sem a ter, vai pagar
essa viagem que não fez.

Grande, muito grande é a força
desta noite que vem de longe.
Somos treva, a vida é apenas
puro lampejo do carvão.

No início, todos o perdoam,
esperando que você cresça,
esperando que você  cresça
para nunca mais perdoá-lo


ALBERTO DA CUNHA MELO
JABOATÃO DOS GUARARAPES-PR = 1942-2007

VÍDEO = Vivaldi


GRANDES PINTORES

CLAUDE LORRAIN = França, 1600-1682
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
 CLAUDE LORRAIN
CLAUDE LORRAIN = França, 1600-1682

POESIA = Bastos Tigre


CRÔNICA = Ivan Ângelo



Assombrações


Existem uns amores que já morreram há muito tempo mas de vez em quando aparecem, como uma assombração. Não, não falo de assombrações que voltam para seduzir, como a moça-fantasma de Belo Horizonte poetizada por Carlos Drummond de Andrade; ou voltam para apimentar uma vida que ficou insossa, como o Vadinho de Jorge Amado faz com dona Flô. Não. Estas, diz o ditado, sabem para quem devem aparecer, ou seja: só aparecem com a ajuda daqueles para quem aparecem. Falo de outras, que fazem uma visita breve, uma aparição, e somem, de improviso, sem arrepiar ninguém.
Às vezes esses amores nem se mostram inteiros. Surge uma boca, um seio, uma pele, um andar, uma risada. Quando se presta atenção, a figura desaparece: era assombração. O fantasma antigo pode aparecer de repente no meio de uma leitura, ao escovarmos os dentes, e até na hora do amor. A gente pode estar conversando, discutindo um negócio, um filme, uma jogada, e se intromete aquele olhar. Pode estar dirigindo um carro e a mão que repousa hoje na nossa perna tem o mesmo peso de alguma do passado e aí vem o fantasma sem-que-fazer e puxa conversa.
Não é saudade, não é nada: é intromissão. A figura surge concreta, sensível, do mesmo modo como nos vem um gosto de doce de abacaxi ou uma chinelada de mãe. Quem governa fantasma? Quem chama? Ninguém, é ele mesmo quem se convida.
Não tem nada a ver com aquela coisa de telenovela, aqueles dramas de folhetim em que se comenta: ele ainda gosta dela, não tira essa mulher da cabeça, até hoje é apaixonado por ela etc. Nada disso. É pura farra de assombração, que irrompe de repente na hora própria ou imprópria, independentemente de convite ou convite. Ora uma, ora outra, faz sua visita-relâmpago, muda ou falante, e some.
Que dizem? Cada visitado recebe seu recado conforme gravou. Uma confessa trêmula, temerosa de desamor: "Não sou mais virgem" - quando isso tinha importância. Outra, cobrando: "Você não assume." Outra, no escuro: "Quem é você?" Amores de outro mundo não se sentem obrigados a diálogo, dão seu recado e vão. Ou nem dão, só se entremostram.
Alguns perdem a viagem, e nos assaltam só com uma sensação, um nome, umas covinhas, tranças negras. Não têm mais aparência corpórea. Será que morreram na vida real? Desvaneceram-se no tempo, frágeis como velhas cartas que se esfarelam, como madeira sem lei. Nem por isso menos reais em suas fantasmice, menos carentes de sentido que não a própria visita inesperada.
De maneira nenhuma perturbam o amor em curso, nem é essa sua intenção, se é que aparições têm algum propósito. O amor em curso é feito de beijo e resposta - e segue intocado por essas intromissões. Também não se pode dizer: são desejos, frustações. Não. Tiveram, no seu tempo, beijo e resposta. Nada ficou por explorar, quando seus corpos eram matéria propícia. Nada ficou por explorar, quando seus corpos eram matéria propícia. Foram generosas no dar, alegres no receber: tiveram fartura. Não vagam por aí à procura, estão satisfeitas no seu canto.
Nem se pode dizer: são visitas malfazejas. Pelo contrário, são cordiais! São borboletas: passam, enfeitam com algumas cores, vocejam e partem. Se deixam alguma coisa, é um sorriso na alma do visitado.

IVAN ÂNGELO
BARBACENA-MG  =  1936