domingo, 28 de dezembro de 2014
POESIA = Lêdo Ivo
Recife, Poesia
Amar mulheres, várias.
Amar cidades, só uma - Recife.
E assim mesmo com as suas pontes,
e os seus rios que cantam,
e seus jardins leves como sonâmbulos
e suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassau.
Amar senhoras, muitas. Cidade,
só uma, e assim mesmo com o vento amplo do Atlântico
e o sol do Nordeste entre as mãos.
Felizes os jovens poetas que recebem em seus corações
antes do amor e depois da infância
a palavra, a cidade Recife.
Felizes os poetas que podem lembrar-se eternamente
das pontes que separavam: ia-se a noite
no Capibaribe, e as águas do Beberibe
te davam, ó Madalena
o meu primeiro verso.
Corola diante do mar,
bares da arte poética,
bondes, navios, aviões.
Cidade, meus pés transportam as tuas pontes
para margens versáteis.
Igrejas nos postais, namorados nos portais.
Recife de meu pai,
Recife que me deu a poesia sem que eu pedisse nada,
cidade onde se descobre Rimbaud,
a maresia de antigamente em meus olhos abertos.
Mulheres, inúmeras. Cidade, só uma
e assim mesmo diante do mar.
L Ê D O I V O
RECIFE-PE
= 1924-2012
POESIA = Álvaro Pacheco
Os Poetas
Os poetas
como os profetas
têm o coração frio
e são
incapazes do amor.
Por isso Ezra Pound, Fernando Pessoa, Cristo,
Vincent Van Gogh – os poetas
elucubram as ficções
e os amores coletivos –
se intrometem nas revoluções
e falam demais – por isso
têm coração frio
para suportar as pessoas
e as suas aflições de abismo,
o sofrimento e a morte,
a matéria-prima
dos devaneios e truques semânticos
com que disfarçam
a frieza e o sem fim
das paixões que os atormentam
como aos profetas.
como os profetas
têm o coração frio
e são
incapazes do amor.
Por isso Ezra Pound, Fernando Pessoa, Cristo,
Vincent Van Gogh – os poetas
elucubram as ficções
e os amores coletivos –
se intrometem nas revoluções
e falam demais – por isso
têm coração frio
para suportar as pessoas
e as suas aflições de abismo,
o sofrimento e a morte,
a matéria-prima
dos devaneios e truques semânticos
com que disfarçam
a frieza e o sem fim
das paixões que os atormentam
como aos profetas.
ÁLVARO PACHECO
NASCEU EM JAICÓS-PI = 1933
CRÔNICA = Walcyr Carrasco
Papo Furado
Estou no dentista. Boca escancarada. Motorzinho
ligado. Ele desanda a falar. Conta do fim de semana. Pergunta:
– Você também já foi para Ilhabela? Em que pousada
ficou?
– Grrrrrrrr – respondo.
– Cuidado, não feche a boca.
– Grrrrrr – continuo.
Mais perguntas e novos grunhidos. Quando se afasta
um segundo, tento dizer:
– Faz tempo que não vou para Ilhabela, eu...
– Não feche a boca!
Corre, alucinado, para secar meu dente. Parece que
cometi um crime. Não há nada mais injusto. Ele fala, fala, conta a vida,
aventuras... e sou obrigado a grunhir! Fico pensando: por que dentistas têm a
mania de bater papo, se o paciente não pode retrucar?
Motoristas de táxi também adoram falar. Dedicam-se
a dois assuntos preferenciais: o tempo e o trânsito.
– Esfriou.
– Hum, hum – respondo.
– Está tudo parado.
– Hum, hum.
Abro um livro, para me refugiar. Que adianta?
Inevitavelmente, o taxista continua:
– Agora pouco passei por aqui e a rua estava livre...
Depois de milhares de conversas sobre o clima e os
congestionamentos, queria ter o direito de ficar em silêncio.
Até em avião o silêncio anda difícil. Outro dia
estava no fim de um romance policial. A mocinha do meu lado sorriu:
– Esse livro deve ser bom. Está lendo com tanta
atenção.
– É, sim.
– Também adoro ler.
– Ótimo.
– Qual é o título, deixa ver?
Aterrissamos sem que eu conseguisse descobrir o
assassino!
Elevador, nem se fala! Entro, um grupinho está
conversando. O mais animado conta uma piada horrenda. Todos às gargalhadas.
Olham para mim, confraternizando, querendo que eu ria! Continuo sério. Todos me
observam, com antipatia. Como se fosse o conde Drácula. Isso quando não há dois
ou três grupinhos animados!
Cortar cabelo é o caos. Sou obrigado a tirar os
óculos. Não dá para fingir que estou lendo. O cabeleireiro conversa comigo
olhando para o espelho. Para enxergar minha reação. Mas é estranho falar com
alguém através do espelho. Adora falar sobre o casamento e comentar as
aventuras amorosas do outro cabeleireiro ao lado. Fala alto, para o outro
ouvir, na minha orelha! Fofoca:
– Ele está apaixonado.
– Não estou não, só quero farra! – grita o outro,
tesourando os cabelos do cliente.
A conversa continua.
– No fim de semana vou para minha cidade, em Minas.
Por aí segue... Faz um relatório sobre sua vida
afetiva, familiar e geográfica.
Pior ainda quando o massagista resolve conversar.
Estou esticado, pronto para entrar no nirvana. Ele começa:
– Tem ido para o Rio?
Ou:
– Comi um doce de mamão verde que você nem
imagina...
– Ahn, ahn.
No final, estou mais exausto do que quando começou.
Só de ouvir. Ele comenta:
– Não costumo falar durante a massagem, mas o papo
estava ótimo!
Socorro! E pessoas desconhecidas que puxam conversa
pelo telefone? Ligo para um conhecido. A secretária atende.
– Sabe que outro dia estava pensando no senhor? Faz
tempo que não telefona. Estava viajando?
– Não, é que ando sem tempo.
– Ah, eu também estou numa correria...
Fala da família. Dos filhos, do custo de vida...
As pessoas parecem ter horror ao silêncio. Mas em
certos momentos é bom ficar quieto, meditar sobre a vida, deixar os pensamentos
correrem. Às vezes, penso que, assim como existem placas de "É proibido
fumar", em alguns lugares, poderia haver as de "É proibido
falar". Um amigo me lembrou de uma frase atribuída a Tom Jobim. Foi ao
barbeiro (naquele tempo era barbeiro), que perguntou:
– Como quer o corte?
E o Tom:
– Sem
papo!
WALCYR CARRASCO
BERNARDINO DE CAMPOS-SP = 1951
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