LOURENÇO DIAFÉRIA
SÃO
PAULO-SP = 1933-2008
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Bilhete Para Um
Operário
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Pegaram
um dia um operário e disseram-lhe: Senta-te no banco dos réus.
És
acusado de haveres nascido com sonhos na cabeça. És acusado de teres os
cabelos encaracolados. És acusado de teres bigodes vastas, negros,
provocativos.
És
acusado de teres alguns pedaços de dedos a menos que o comum dos mortais,
podados pelas engrenagens das máquinas.
És
acusado de ficares pelas esquinas conversando em voz baixa com amigos
enquanto a luz dos postes te ilumina o suor do rosto. És acusado de terem te
visto no bar dando gargalhadas.
És
acusado de tua casa ter um pequeno jardim com grama e flores.
És
acusado de conheceres a sinfonia das sirenas das fábricas anunciando a
aurora do primeiro turno. És acusado de seres reconhecido na portaria e todos
te cumprimentarem, e te baterem levemente nas costas com alegria, e te
dizerem: olá, meu chapa.
És
acusado de inventares um partido que não é o único, mas não se confunde com
siglas e teorias de alfarrábios envelhecidos.
És
acusado de fazeres discursos de improviso com vigor e gana que nascem do
fundo das vísceras do espírito.
És
acusado de não seres magro nem raquítico como teus irmãos deviam ser.
És
acusado de jogares baralho e dares dores de cabeça aos homens sérios deste
país. És acusado de usares gravata em vez de macacão, vestindo-te com roupas
só permissíveis no enterro do melhor amigo. És acusado de freqüentares
reuniões e discutires com sábios e iluminados sem pedir licença nem apresentar
diploma. És acusado de te haverem visto com ministros, criaturas importantes,
e não te ocorrer submeter-se a elas.
És
acusado de não teres te colocado no lugar cavado para o oprimido. És
acusado de haveres gritado com toda a força de teus pulmões fuliginosos.
És
acusado de teres filhos bonitos e uma mulher doce, que devia ser feia
e talhada a foice.
És
acusado de não seres rapaz comportado, meigo, gentil, acetinado.
És
acusado de conheceres a prensa, e não te afugentar o ronco que ela faz na
madrugada.
És
acusado de quereres a pátria livre, e livre, também, o coração e os
sentimentos do homem.
És
acusado de rezares e de pôr a boca no trombone quando todos se calam e
descrêem de Deus e dos homens.
És
acusado de teres o desplante de ser líder num país desnaturado onde quem
levanta a fronte é triturado.
És
acusado de haveres perdido a paciência de esperar pelo futuro que
não chega nunca.
És
acusado de usares sapatos 42, de couro, quando o normal é sandália
havaiana.
És
acusado de romperes as cadeias invisíveis que amarram teus braços peludos
e tuas mãos penadas.
És
acusado de atraíres os operários com tua voz, teu berro, teu silêncio, teu
olhar, tua dor, tua ânsia, teu mistério, e saberes contar, sorrindo, tristes
histórias recolhidas em barracos e cômodos-e-cozinhas.
És
acusado de estares em pé, quando devias estar de bruços, de borco,
exangue e vencido.
És
acusado de não seres o que queriam que tu fosses.
Meu
caro operário sentado no banco dos réus, por favor, recebe este recado:
Se
existir mesmo essa senhora difusa e vaga a que chamam de Justiça, confia
nela.
Não
creio que essa matrona seja cega.
Segundo Diaféria,
"esta crônica foi escrita, e publicada no jornal Folha de S. Paulo,
quando o Lula (ainda apelido)
era o líder metalúrgico que acabara de ser
preso, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional."
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sábado, 15 de dezembro de 2012
LOURENÇO DIAFÉRIA
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