ROSTAND PARAÍSO
RECIFE-PE = 1930
Meus Tempos De Criança
Pulávamos
os muros e ganhávamos os quintais das casas vizinhas, enormes e cheias de
fruteiras e de toda a sorte de animais, gatos, cachorros, galinhas, patos,
marrecos e outros mais. Chupando mangas, gostosas mangas, mangas-espada,
mangas-rosa e manguitos, esses quase sempre os mais saborosos, dividíamos os
times e organizávamos as peladas de fundo de quintal que exigiam grande
malabarismo de nossa parte, com as frondosas árvores para driblar e grandes
irregularidades no terreno para contornar.
Usávamos
"bolas de meias", preparadas por nós mesmos com papel de jornal
compactado e colocado dentro de uma meia de mulher, mas já começávamos a usar
bolas de borrachas e as "bolas-de-pito", que eram bolas de couro, com
pito para fora e que tínhamos o cuidado de envergar para dentro, para evitar
arranhaduras.
Gostosas,
memoráveis tardes que se prolongavam até a noitinha, parando-se apenas quando
não havia mais sol e quando não podíamos mais ignorar os gritos que vinham de
nossa casa, para tomar banho, mudar de roupa e ir jantar.
As mesmas
misteriosas ordens faziam-nos começar a desengavetar nossos times de botão para
a temporada que iria se iniciar. Os botões eram polidos e engraxados.
Descobríamos,
nos botões das capas e dos jaquetões e, também, nas tampas de remédios,
promissores craques. Nossos pais começavam a estranhar, sem encontrar qualquer
explicação para fato, o desaparecimento das tampas dos xaropes e dos botões das
roupas. Esses craques em potencial, novos valores que surgiam, eram devidamente
preparados e passávamos dias a lixá-los e, para lhes dar mais peso e maior
aderência à mesa, a enchê-los com parafina derretida. Trabalho que levava às
vezes algumas semanas, os novos craques sendo testados exaustivamente até que
nos déssemos por satisfeitos e os considerássemos prontos e aprovados para as
grandes competições pela frente.
Os botões
de chifre, preparados pelos presos da Casa de Detenção, onde íamos comprá-los,
começavam, pela sua robustez e pela potência de seus chutes, a ganhar nossa
preferência. Não gostávamos, porém, daqueles botões que vinham do Sul, de
plástico, todos iguais, diferençando-se uns dos outros apenas pelas
"camisas" que traziam coladas sobre si, com as cores dos clubes
cariocas. Preferíamos, nós mesmos, pregar as cores do nosso time preferido, no
meu caso o Santa Cruz.
Cada botão
ganhava seu nome, Perácio, Leônidas, Patesko, Pitota, Sidinho, Siduca... botões
que já não tenho mais, desaparecidos misteriosamente ao longo do tempo. Meu
ponta-esquerda, Tarzan, que tantas alegrias me deu, com suas arrancadas para o
campo adversário e com seus mirabolantes gols, que fim terá levado?
Preferíamos
usar as bolas de farinha, arredondadas cuidadosamente na palma da mão e que
permitiam um bom controle, correndo menos que as de miolo de pão e não tanto
quanto as de borracha.
Dentro
daquelas regras que adotávamos e que permitiam que continuássemos a jogar
enquanto não perdêssemos o controle da bola, éramos obrigados, quando nos
sentíamos em condições de tentar o chute a gol, a avisar o adversário:
"Defenda-se!" ou "Prepare-se!", dando tempo a que ele
posicionasse melhor o seu goleiro e puxasse, para junto dele, os beques,
geralmente bem altos, com a finalidade de dificultar o chute rasteiro.
As partidas
eram irradiadas por um de nós, ao estilo de José Renato, o famoso locutor
esportivo da PRA-8, e os gols, quando convertidos, eram gritados
histericamente, incomodando toda a vizinhança.
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