sábado, 27 de abril de 2013

CRÔNICA = Mário Sette


MÁRIO SETTE
RECIFE-PE  =  1886-1950

 
Mascates
 

Todos nós, meninos de um ontem meio remoto, nos recordamos da festa que era, em casa, a chamada de um mascate.

De longe ouvíamos-lhe o taque-taque característico do mercador, o que era comum no silêncio das ruas. Nem todo dia alguém da família o chamava; se isso acontecia o alvoroço era grande. o mascate a nos entrar pela porta, ao abrir a sua grande "caixa de coisas", um quê de mistério e de fascinação irrompia. Estojos de papelão, frascos, boiões, bordados e linhas, fazendas e sobretudo brinquedos...

Que mundo!

Costume, antigamente, no Recife, darmos aos mascates a alcunha de "italiano" porque a essa nacionalidade pertencessem quase todos esses vendedores ambulantes.

Seu prestígio de então seria muito maior do que o de hoje, porque sendo as senhoras mais ou menos sedentárias, indo pouco ao comércio e não saindo as moças sozinhas, essas pequenas necessidades de miudezas, tecidos, perfumes, supriam-nas os mercadores ambulantes cuja importância, entre nós, motivaram até um conflito nativista — a Guerra dos Mascates.

Ainda no começo do século XX, quando as duas grandes conflagrações político-econômico-sociais não haviam alterado quase de fond en comble nossos costumes e nossa pecúnia, o "italiano" era um semi-deus nos lares. Seu titaquear alvoroçava e não raro solucionava um caso doméstico: estava-se mesmo precisando, para arrematar costura urgente, de uma agulha, de um sutache, quando não fosse outro gênero de premência de uma opiata para os dentes. De tudo o mascate trazia às portas, em ampla caixa de várias prateleiras. O "italiano" com seus fartos bigodes e sua língua atravessada vinha à frente batendo a matraca, seguido pelo negro a carregar as mercadorias. Penetravam pelos arrabaldes depois de percorrerem as ruas residenciais dos bairros urbanos... Ninguém os dispensava. Só mesmo para os artigos de luxo, os calçados, as compras de vulto, ia-se às lojas.

Botar o espartilho, vestir aquelas tríplicas saias, com camisas e corpinhos, pentear os longos cabelos fincando pentes e marrafas, botar o chapéu de plumas, tudo era para comprar bobagens na rua Nova ou Imperatriz!

O mascate era um achado de serventia!

Ele não desapareceu hoje em dia. Ainda o vemos nas ruas, e alguns já montados em bicicletas-mostruários, às vésperas do avião. Mas nesta época em que a maioria das mulheres — velhas, moças e mocinhas — vêm à cidade a qualquer pretexto ou sem nenhum pretexto, o mascate perdeu quase todo o seu préstimo.

É velharia a resistir num Recife em que os subúrbios se comercializam, abrindo-se ali estabelecimento comerciais até de luxo, senão modestos, e de quebra! povoando-se as calçadas de tabuleiros e barraquinhas.



(Sette, Mário. Maxambombas e maracatus. 3ª ed. Rio de Janeiro, Casa do Estudante Brasileiro, 1958, p.112-114)

 

Nenhum comentário: