ANTÔNIO MARIA
RECIFE-PE =
1921-1964
O Mar
Banho de mar no recife era “banho salgado”, e só se tomava
com ordem médica, das cinco às sete da manhã. Antes do sol.
As roupas de banho das mulheres começavam numa touca,
seguindo-se um casaco-sunga escuro (com aplicações róseas ou azuis) até os
joelhos e sapatos de borracha.
Não devia confessar, mas sou do tempo do “banho salgado”.
Acordávamos com a noite fechada, entrávamos em nossas roupas de banho e
partíamos. De carro, para a Boa Viagem. Em jejum. Ai de quem tomasse café e
caísse no mar. Contavam-se casos de pessoas que envesgaram ou ficaram com a
boca torta. Tinha que ser em jejum como o da comunhão. Nem água.
A família só descia do automóvel depois que o chofer,
pessoa de confiança, fizesse um reconhecimento da área e garantisse que
não havia ninguém (homem) ali por perto.
Na praia, a pessoa mais velha mandava que todos
fizesse o “pelo sinal” e tirava uma ave-maria, a que todos respondiam,
encomendando a alma a Deus, no caso de afogamento ou congestão.
– Botaram algodão nos ouvidos?
– Botamos.
Davam-se as mãos, moços e crianças, entravam no mar, até a
cintura.
– Um, dois três ... e já!
E mergulhavam agoniados, de mãos dadas, olhos, ouvidos, boca
e nariz tapados.
Essas minhas lembranças vêm de 1928. Apenas 33 anos.
Mas o mar era umanovidade. Um desconhecido. Fazia-se cerimônia com ele.
Tinha-se medo dele. Mar de 1928 era ainda o mar de Castro Alves.
Soleníssimo: “Stamos em pleno mar!” Fazia medo. O mar de hoje é o de Caymmi.
Abrandou. Tornou-se íntimo. Ninguém respeita.
É doce
morrer no mar
Nas ondas verdes
do mar...
Daquele mar do Recife, ficou uma lembrança: o cheiro dos
sargaços. A quem os teve, sargaços na infância, por mais que ande, por mais
feliz que esteja, faltará alguma coisa.
18/11/1961
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