MACHADO
DE ASSIS
RIO
DE JANEIRO-RJ = 1839-1908
Venho pedir-lhe o seu voto na próxima eleição para deputado.
—
Mas, com o senhor, fazem setenta e nove candidatos que...
—
Perdão: oitenta. Que tem isto? A reforma eleitoral deu cada eleitor toda a
independência, e até fez com que adiantássemos um passo. [...]
—
Bem; pede-me o voto.
—
Sim, senhor.
—
Responda-me primeiro. Que é que fazia até agora?
—
Eu...?
—
Sim, trabalhou com a palavra ou com a pena, esclareceu os seus concidadãos
sobre as questões que lhe interessam, opôs-se aos desmandos, louvou os
acertos...
—
Perdão, eu...
—
Diga.
—
Eu não fiz nada disso. Não tenho que louvar nada, não sou louva-deus. Opor-me!
É boa! Opor-me a quê? Nunca fiz oposição.
—
Mas esclareceu...
—
Nunca, senhor! Os lacaios é que esclarecem os patrões ou as visitas: não sou
lacaio. Esclarecer! Olhe bem para mim.
—
Mas, então, o que é que o senhor quer?
—
Quero ser deputado.
—
Para quê?
—
Para ir à câmara falar contra o ministério.
—
Ah! é contra o Dantas?
—
Nem contra nem pró. Quem é o Dantas? Eu sou contra o ministério... Digo-lhe
mesmo que a minha idéia é ser ministro. Não imagina as cócegas com que fico em
vendo um dos outros de ordenanças atrás... Só Deus sabe como fico!
—
Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...
—
O meu compadre Z... diz que não gasta muito.
—
Não me refiro a isso; falo do diploma, o uso do diploma. Já pesou...
—
Se já pesei? Eu não sou balança.
—
Bem, já calculou...
—
Calculista? Veja lá como fala. Não sou calculista, não quero tirar vantagens
disto; graças a Deus para ir matando a fome ainda tenho, e possuo braços.
Calculista!
—
Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se
candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.
—
Obriga a falar.
—
Só falar?
—
Falar e votar.
—
Nada mais?
—
Obriga também a passear, e depois torna-se a falar e votar. Para isto é que eu
vinha pedir-lhe o voto, e espero não me falte.
—
Estou pronto, se o senhor me tirar de uma dificuldade.
—
Diga, diga.
—
O X. pediu-me ontem a mesma coisa, e depois de ouvir as mesmas perguntas que
lhe fiz, às quais respondeu do mesmo modo. São do mesmo partido, suponho!
—
Nunca: o X. é um peralta.
—
Diabo! Ele diz a mesma coisa do senhor.
Crônica de Machado de Assis de 10 de novembro de
1884, publicada na seção "Balas de Estalo"
da Gazeta de
Notícias, extraída do livro Crônicas de Lélio (Ediouro).
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