ARTUR AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA = 1855-1908
O Último Palpite
O caso que vou
narrar não é inventado; passou-se, não há muito tempo, no bairro do Engenho
Velho.
Havia ali uma
família que se deixou dominar pelo jogo do bicho, a ponto de não pensar em
outra coisa. Desde pela manhã até à noite havia naquela casa dois assuntos
exclusivos de todas as conversas: o bicho que tinha dado e o bicho que ia dar.
O chefe da
família era um cardíaco, e quero crer que foram as emoções do jogo que o
atiraram na cama para nunca mais se levantar.
Momentos antes
de morrer, o pobre homem, cercado pela mulher e os filhos, acenou como se
quisesse dizer alguma coisa. A senhora debruçou-se sobre ele, e o moribundo,
fazendo um esforço supremo, proferiu estas palavras:
- Joga tudo no
cachorro!
Cinco minutos
depois exalava o último suspiro.
A viúva, na
ocasião em que, debulhada em lágrimas, dava as necessárias ordens para o
enterro, lembrou-se, por pegar em dinheiro, da recomendação do defunto; chamou
o copeiro e disse-lhe:
- José, vai
jogar dez mil-réis no cachorro. Não creio que dê, porque ainda anteontem deu,
mas devo respeitar o último palpite do meu marido. É um palpite sagrado!
Toda a
vizinhança soube da coisa, e não houve bicho careta que não jogasse no
cachorro. Os bicheiros do bairro levaram um tiro, porque efetivamente foi o
cachorro que deu.
Quando vieram
trazer os duzentos mil-réis à viúva, ainda não tinha saído de casa o cadáver do
marido.
Ela ficou
desesperada, e, abraçando o caixão, exclamou entre lágrimas, com grande espanto
das pessoas presentes:
- Perdoa,
Manuel, perdoa! Tu me disseste que jogasse tudo no cachorro, e eu joguei apenas
dez mil-réis! Agora vejo que estavas inspirado pela bondade divina, e querias
deixar tua família amparada!. . . Recebi apenas duzentos mil-réis! Perdoa
Manuel, perdoa!
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