VINICIUS
DE MORAES
RIO DE JANEIRO-RJ
= 1913-1980
A Arte De Ser Velho
É
curioso como, com o avançar dos anos e o aproximar da morte, vão os homens
fechando portas atrás de si, numa espécie de pudor de que o vejam enfrentar a
velhice que se aproxima. Pelo menos entre nós, latinos da América, e sobretudo,
do Brasil. E talvez seja melhor assim; pois se esse sentimento nos subtrai em
vida, no sentido de seu aproveitamento no tempo, evita-nos incorrer em
desfrutes de que não está isenta, por exemplo, a ancianidade entre alguns povos
europeus e de alhures. Não estou querendo dizer com isso que todos os nossos
velhinhos sejam nenhuma flor que se cheire. Temo-los tão pilantras como não
importa onde, e com a agravante de praticarem seus malfeitos com menos ingenuidade.
Mas, como coletividade, não há dúvida que os velhinhos brasileiros têm mais
compostura que a maioria da velhorra internacional (tirante, é claro, a China),
embora entreguem mais depressa a rapadura. Talvez nem seja compostura; talvez
seja esse pudor de que falávamos acima, de se mostrarem em sua decadência,
misturado ao muito freqüente sentimento de não terem aproveitado os verdes anos
como deveriam. Seja como for, aqui no Brasil os velhos se retraem daqueles seus
semelhantes que, como se poderia dizer, têm a faca e o queijo nas mãos. Em
reuniões e lugares públicos não têm sido poucas as vezes em que já surpreendi
olhares de velhos para moços que se poderiam traduzir mais ou menos assim:
"Desgraçado! Aproveita enquanto é tempo porque não demora muito vais ficar
assim como eu, um velho, e nenhuma dessas boas olhará mais sequer para o teu
lado..." Isso, aqui no Brasil, é fácil sentir nas boates, com exceção de
São Paulo, onde alguns cocorocas ainda arriscam seu pezinho na pista, de cara
cheia e sem ligar ao enfarte. No Rio é bem menos comum, e no geral, em mesa de
velho não senta broto, pois, conforme reza a máxima popular, quem gosta de
velho é reumatismo. O que me parece, de certo modo, cruel. Mas, o que se vai
fazer? Assim é a mocidade- ínscia, cruel e gulosa em seus apetites. Como aliás,
muito bem diz também a sabedoria do povo: homem velho e mulher nova, ou chifre
ou cova. Na Europa, felizmente para a classe, a cantiga soa diferente. Aliás,
nos Estados Unidos dá-se, de certo modo, o mesmo. É verdade que no caso dos
Estados Unidos a felicidade dos velhos é conseguida um pouco à base da
vigarista; mas na Europa não. Na Europa vêem-se meninas lindas nas boates
dançando cheek to cheek com verdadeiros macróbios, e de olhinho fechado e tudo.
Enquanto que nos Estados Unidos eu creio que seja mais... cheek to cheek.
Lembro-me que em Paris, no Club St. Florentin, onde eu ia bastante, havia na
pista um velhinho sempre com meninas diferentes. O "matusa” enfrentava
qualquer parada, do rock ao chá-chá-chá e dançava o fino, com todos os
extravagantes passinhos com que os gauleses enfeitam as danças do Caribe, sem
falar no nosso samba. Um dia, um rapazinho folgado veio convidar a menina do
velhinho para dançar e sabem o que ela disse? - isso mesmo que vocês estão pensando
e mais toda essa coisa. E enquanto isso, o velhinho de pé, o peito inchado,
pronto para sair na física. Eu achei a cena uma graça só, mas não sei se teria
sentido o mesmo aqui no Brasil, se ela se tivesse passado no Sacha's com algum
parente meu. Porque, no fundo, nós queremos os nossos velhinhos em casa, em sua
cadeira de balanço, lendo Michel Zevaco ou pensando na morte próxima, como
fazia meu avô. Velhinho saliente é muito bom, muito bom, mas de avô dos outros.
Nosso, não.
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