ARTUR AZEVEDO
SÃO LUÍS-MA =
1855-1908
A Viúva De
Estanislau
Por
ocasião da morte do marido, aquele pobre Estanislau, que, depois de uma luta
horrível, foi afinal vencido pela tuberculose, Adelaide parecia que ia também
morrer. Dizia-se que ela amava tanto o marido, que fizera o possível para
contrair a moléstia que o matou e acompanhá-lo de perto no túmulo. Emagreceu a
olhos vistos, e toda a gente contava que, mais dia menos dia, Deus lhe fizesse
a vontade; mas o tempo, que tudo suaviza e repara, foi mais forte que a dor, e
ano e meio depois de enviuvar, Adelaide estava rubicunda e linda como não
estivera jamais.
O
Estanislau deixou-a paupérrima. O pobre rapaz não contava arrumar a trouxa tão
cedo, ou, por outra, não teve com que preparar o futuro. Enquanto viveu, nada
faltou em casa; depois que ele morreu, tudo faltou, e Adelaide, que felizmente
não tinha filhos, aceitou a hospitalidade que lhe ofereceram seus pais.
-Vem
outra vez para o nosso lado, disseram-lhe os velhos; façamos de conta que te
não casaste.
Não
tardou muito que aparecesse um namorado à viúva. Era um excelente moço, o
Miranda, que freqüentava a casa dos velhos por ser funcionário da mesma
secretaria onde o pai de Adelaide era chefe.
Foi
com muita satisfação que este notou a simpatia que o Miranda manifestava pela moça,
e pulou de contente quando o rapaz, um dia, na repartição, se abriu com ele,
dizendo-lhe que ser seu genro era o que mais ambicionava neste mundo.
O velho foi para casa alegre como um
passarinho, e disse tudo à mulher.
-Sabes,
Henriqueta? O Miranda confessou-me hoje que gosta da Adelaide e quer
casar-se com ela.
Estou
satisfeitíssimo, porque nossa filha não poderia encontrar
melhor marido! Que me dizes?
-Digo
que seu Miranda é uma sorte grande, mas duvido que Adelaide aceite.
-Duvidas,
por quê?
- Porque ela só pensa no Estanislau: é uma
viúva inconsolável. Engordou, tomou cores, goza saúde, mas aposto que não
admite que lhe falem noutro casamento.
-Deixe-a
comigo; vou sondá-la.
O
velho sondou-a, efetivamente, e reconheceu que D. Henriqueta calculava bem.
-
Não me fale em casamento, papai! Eu considerar-me-ia uma mulher indigna se
desse um substituto ao meu pobre Estanislau!
Mas
o velho que não era peco, não se deixou vencer e insistiu, lançando mão de
quanto argumento lhe sugeriu a sua longa experiência do mundo.
-Minha
filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro, a reputação de uma
viúva moça e bonita corre tantos perigos, que a melhor resolução que tens a
tomar, para fazer respeitar a memória honrada do teu Estanislau, é casares-te
em segundas núpcias. Uma única dificuldade haveria para isso: o marido; mas
neste particular, minha filha, foste de uma fortuna fenomenal. O Miranda
caiu-te do céu! Olha, eu, se tivesse que escolher um genro, não escolheria outro
-, e tu, se te casares com ele, darás muito prazer a tua mãe, e tornarás feliz
a minha velhice.
Essas palavras, que acabaram molhadas de lágrimas de enternecimento, calaram no ânimo de Adelaide, e na mesma noite, como a família se achasse reunida na sala de jantar, e o Miranda presente, ela dirigiu-se a este nos seguintes termos
- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus pais; mas devo dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo, e não posso amar dois homens ao mesmo tempo.
Essas palavras, que acabaram molhadas de lágrimas de enternecimento, calaram no ânimo de Adelaide, e na mesma noite, como a família se achasse reunida na sala de jantar, e o Miranda presente, ela dirigiu-se a este nos seguintes termos
- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus pais; mas devo dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo, e não posso amar dois homens ao mesmo tempo.
Os
velhos morderam os beiços; o Miranda remexeu-se na cadeira, sem responder.
-
Sei também que o senhor é um perfeito cavalheiro e que nada lhe falta para ser
um marido ideal; aprecio o seu caráter, a sua bondade, a sua inteligência; mas,
se nos casarmos, não poderei levar-lhe o sentimento que todo o homem tem o direito de
exigir no coração da sua noiva. Se depois desta declaração leal e honesta,
persiste em querer ser meu esposo, aqui tem a minha mão.
-Aceito-a!
respondeu prontamente o Miranda, tomando a mão que lhe estendeu Adelaide.
Aceito-a,
porque - perdoe a minha vaidade - tenho alguma confiança no meu merecimento, e
espero conquistar o seu amor!
Casaram-se,
e hoje, que estão unidos há um ano, podem gabar-se - ela de ter tido
verdadeiras surpresas fisiológicas, e ele de ser amado como o Estanislau nunca o
foi.
-
Es então feliz, minha filha?
-
Muito feliz, mamãe; o Miranda é tão bom marido, que, lá no outro mundo, o Estanislau,
se meteu a mão na consciência, com certeza me perdoou.
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