segunda-feira, 29 de julho de 2013

VÍDEO = Dominguinhos e Luiz Gonzaga


CONTO

FERNANDO SABINO
BELO HORIZONTE-MG  =  1923-2004



O Revólver Do Senador




O Senador ainda estava na cama, lendo calmamente os jornais, e eram dez horas da manhã. Súbito ouve a voz do netinho de quatro anos de idade por detrás da folha aberta, bem junto de sua cabeça:
– Vovô, eu vou te matar.
Abaixou o jornal e viu, aterrorizado, que o menino empunhava com as duas mãos o revólver apanhado na gaveta da cabeceira. Sempre tivera a arma ali ao seu alcance, para qualquer eventualidade, carregada e com uma bala na agulha. Nunca essa eventualidade se dera na longa seqüência de riscos e tropeços que a política lhe proporcionara. No entanto, ali estava, agora, apanhado de surpresa, sob a mira de um revólver. O menino começou a rir de sua cara de espanto.
– Eu vou te matar – repetiu, dedinho já no gatilho.
O menor gesto precipitado e a arma dispararia.
Pensou em estender o braço e ao menos afastar o cano de sua testa, que já começava a porejar suor. Mas temeu o susto da criança, o dedo se contraindo no gatilho… Tentou falar e de seus lábios saíram apenas sons roufenhos e mal articulados.
– Não me mata não – gaguejou, afinal: – você é tão bonzinho…
– Pum! Pum! – e o demônio do menino sempre a rir, só fez dar um passo para trás; que o colocou fora de seu alcance. Agora estava perdido.
– Cuidado, tem bala… – deixou escapar, e a voz de novo lhe faltou. Toda uma vida que terminava ali, estupidamente nas mãos de uma criança – de que adiantara? Tudo aflição de espírito e esforço vão. Se alguém entrasse no quarto de repente, a mãe, a avó do menino… Que é isso, menino! Você mata seu avô! Com o susto… Senti o pijama já empapado de suor. Era preciso fazer alguma coisa, terminar logo com aquela agonia. Estendeu mansamente o braço trêmulo:
– Me dá isso aqui…
– Mãos ao alto! – berrou o menino, ameaçador, dando passo para trás, e as mãos pequeninas se firmaram ainda mais no cabo da arma. O Senador não teve outra coisa a fazer senão obedecer.
E assim se compôs o quadro grotesco: o velho com os braços erguidos, o guri a dominá-lo com o revólver. De repente, porém, o telefone tocou.
– Atende aí ­– pediu o Senador, num sopro.
Estava salvo: o menino tomou do fone, descobrindo brinquedo novo, e abaixou o revólver. O Senador aproveitou a trégua para apoderar-se da arma. Então pôs-se a tremer, descontrolado, enquanto retirava as balas com os dedos aflitos. O menino começou a chorar:
– Me dá! Me dá!
A mulher do senador vinha entrando:
– O que foi que você fez com ele? Está com uma cara esquisita… Que aconteceu?
– Acabo de nascer de novo – explicou simplesmente.



PENSAMENTOS




POESIA

PAULO MENDES CAMPOS
BELO HORIZONTE-MG  =  1922-1991

 O Suicida

  
Quando subiu do mar a luz ferida,
Ao coração desceu a sombra forte,
Um homem triste foi buscar a morte
Nas ondas, flor do mal aos pés da vida.

Com lucidez tremeu olhando tudo
Como um falcão de súbito no alto
Estremece sentindo o sobressalto
Do abismo que lhe fala porque é mudo

Às vezes vou ali, fico a pensar
Na paz que lhe faltou e que me falta
E no confuso alarme do meu fim.


O infinito silêncio me diz – “salta”,
Enquanto faz-me a brisa respirar
O fumo da cidade atrás de mim.

GRANDES PINTORES

 
 ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
 ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
 ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
 ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
ARSHILE GORKY = Armênia, 1904-1908
 FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
 FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
 FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
 FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
 FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932
FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932 
FERNANDO BOTERO = Colômbia, 1932

VÍDEO = Alceu Valença


POESIA

FERNANDO PESSOA
PORTUGAL  =  1888-1935





Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.

Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E há um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.

Mas eu, o mal-dormido,
Não sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidão vazia.
Só sinto o indefinido
Do coração vazio.

Em vão o dia chega
Quem não dorme, a quem
Não tem que ter razão
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.

Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que é isto que a minha alma sente?
Nem isto, não, nem eu,
Na noite que se perde.



CRÔNICA


LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS  =  1936

Casamento


O tão discutido casamento homossexual não deixa de ser uma sequência natural da longa e estranha história de uma convenção, a união solene entre duas pessoas, que começou no Éden. A Bíblia não esclarece se Adão e Eva chegaram a se casar, formalmente. Deve ter havido algum tipo de solenidade. Na ausência de um padre, o próprio Criador, na qualidade de maior autoridade presente, deve ter oficiado a cerimônia. No momento em que Deus perguntou se alguém no Paraíso sabia de alguma razão para que aquele casamento não se realizasse, ninguém se manifestou, mesmo porque não havia mais ninguém. A cerimônia foi simples e rápida apesar de alguns problemas – Adão não tinha onde carregar as alianças, por exemplo – e Adão e Eva ficaram casados por 930 anos. E isso que na época ainda não existiam os antibióticos.
Mais tarde, instituiu-se o dote. Ou seja, as mulheres, como caixas de cereais, passaram a vir com brindes. O pai da noiva oferecia, digamos, dez cântaros de azeite e dois camelos ao noivo e ainda dizia:
- Pode examinar os dentes.
- Deixa ver…
- Da noiva não, dos camelos!
Houve uma época em que os pais se encarregavam de casar os filhos sem que eles soubessem. Muitas vezes, depois da cerimônia nupcial, os noivos saíam, ofegantes, para a lua de mel, entravam no quarto do hotel, tiravam as roupas, aproximavam-se um do outro – e apertavam-se as mãos.
- Prazer.
- Prazer.
- Você é daqui mesmo?
Eram comuns os casamentos por conveniência, pobres moças obrigadas a se sujeitar a velhos com gota e mau hálito para salvar uma fortuna familiar, um nome ou um reino. Sonhando, sempre, com um Príncipe Encantado que as arrebataria. O sonho era sempre com um Príncipe Encantado. Nenhuma sonhava com um Cavalariço ou com um Caixeiro Viajante Encantado. Mais tarde veio a era do Bom Partido. As moças não eram mais negociadas, grosseiramente, com maridos que podiam garantir seu futuro. Eram condicionadas a escolher o Bom Partido. Podiam namorar quem quisessem, mas na hora de casar…
- Vou me casar com o Cascão.
- O quê?!
- Nós nos amamos desde pequenos.
- O que que o Cascão faz?
- Jornalismo.
- Argk!

A era do Bom Partido acabou quando a mulher ganhou sua independência. Paradoxalmente, foi só quando abandonou a velha ideia romântica do ser frágil e sonhador que a mulher pôde realizar o ideal romântico do casamento por amor, inclusive com o Cascão. Só havendo o risco de o Cascão preferir casar com o Rogério.

POESIA

PATATIVA DO ASSARÉ
ASSARÉ-CE  =  1909-2002


A Festa Da Natureza


Chegando o tempo do inverno,
Tudo é amoroso e terno,
Sentindo o Pai Eterno
Sua bondade sem fim.
O nosso sertão amado,
Estrumicado e pelado,
Fica logo transformado
No mais bonito jardim.

Neste quadro de beleza
A gente vê com certeza
Que a musga da natureza
Tem riqueza de incantá.
Do campo até na floresta
As ave se manifesta
Compondo a sagrada orquesta
Desta festa naturá.

Tudo é paz, tudo é carinho,
Na construção de seus ninho,
Canta alegre os passarinho
As mais sonora canção.
E o camponês prazentero
Vai prantá fejão ligero,
Pois é o que vinga premero

Nas terras do meu sertão.

POESIA

ARIANO SUASSUNA
JOÃO PESSOA-PB  =  1927


Eu Não Troco Meu Oxente Pelo Ok De Ninguém




Esse tal de rocambole
Esfirra, nissin, miojo
Quer-me ver cuspi com nojo
Ofereça-me um rizole
Prefiro uma fruta mole
Beliscada do vem-vem
Feijão de corda xerem
Canjica com leite quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém

Tomar wiski importado
Na taça pra ser bacana
Sou mais um gole de cana
Num caneco enferrujado
Não sou muito refinado
Nem tenho inveja também
Druris conhaque almadem
Prefiro minha aguardente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém

Esses verbetes do inglês
Que usam no dia a dia
Não me trazem simpatia
Estragam meu português
Vou ser sincero a vocês
Sou muito mais meu quinem
Adonde, prumode, eim?
Acho mais inteligente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém

Eu não falo REDBUL
Prefiro touro vermelho
MIRROR pra mim é espelho
BLUE BIRD pássaro azul
Bonito e não BEAUTIFU
Falo dez em vez de TEN
BABY pra mim é neném
E HOT pra mim é quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém



Não gosto de pancadão
Nem de RAP improvisado
HIP HOP pé quebrado
Sem métrica e sem oração
Sou muito mais Gonzagão
No forro do xem nhem, nhem
Gosto de aboio e também
De um baião de repente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
Não troco o meu "oxente"

pelo "ok" de ninguém!

JOSÉ SARAMAGO


CONTO

ELISA PALATNIK
RIO DE JANEIRO-RJ  =  1962

As Horas


Tadeu guardava o tempo para um dia quando precisasse. Juntava todas as horas, minutos e segundos disponíveis e embrulhava-os em pequenos sacos plásticos com suas devidas especificações: horas de descanso, minutos de folga do trabalho, feriados. Assim, se acabava o asseio diário mais cedo, nada fazia com o tempo que sobrava, conservando-o intacto, novo, sem uso, escrevendo em sua embalagem a procedência. Depois de anos de controle, quando evitava qualquer atividade que não fosse o absolutamente necessário, ficando em estado de latência profunda a cada hora vaga, tinha acumulado duas mil, trezentas e vinte horas e dois segundos. Isto sem contar o tempo de um sujeito chamado Ubaldo, que lhe vendeu trezentas horas sem uso.

Ubaldo era um homem que não trabalhava, não tinha família, e sua única paixão era a música, e seus instrumentos de sopro. Tadeu descobriu mais tarde que duas destas trezentas horas estavam gastas e teriam sido usadas para a limpeza de uma gaita de foles — resolveu a partir de então não comprar nem um segundo a mais de quem quer que fosse. Ubaldo, tendo tanto tempo de sobra, abriu uma loja de aluguel.

Ubaldo colocou à disposição as horas do seu dia para aqueles que precisavam mais do que as vinte e quatro habituais. Alugava para as irmãs Contii — xifópagas —, que tinham que dividir seu tempo, ficando apenas 12 horas para cada uma; para o senhor Aumar, que estudava as estrelas e pedia somente as horas noturnas para suas observações. Chegou a alugar para uma noiva desesperada já no altar, à espera do noivo que não aparecia. E finalmente alugava para José Josias, um homem que só tinha 18 horas por dia — que já havia nascido assim, com seis horas a menos do que o normal. Em função desta deficiência congênita, o rapaz era obrigado a fazer tudo sempre ligeiro, para compensar o pouco tempo que lhe cabia.

José Josias tornou-se cliente fixo de Ubaldo, mas quando soube da existência de Tadeu e suas milhares de horas guardadas e novas, manifestou imensa vontade de comprá-las. Preocupado com a insistência do homem, que se mostrara amargo e violento, Tadeu usou 815 minutos para pensar o que fazer. Como precaução resolveu esconder seu tempo, espalhando-o pela casa, em todos os cantos, buracos e frestas. Inclusive dentro do baú de seu bisavô, onde encontrou o tão procurado diário — diário que dizia esconder, em algum lugar do porão, preciosos segundos do século XIX. Só então recebeu José Josias. Inventou uma boa história e convenceu-o de que não podia desfazer-se de nenhum minuto, de que sua causa era nobre; que um dia doaria todas aquelas horas para asilos, instituições de caridade, hospitais. Sensibilizado, José Josias (que embora amargurado não era má pessoa) ofereceu a Tadeu vinte minutos como contribuição. Obrigou toda família a fazer o mesmo e espalhou a história por toda parte. Pessoas humildes e simplórias, também iludidas, doaram caixotes e caixotes cheios de horas, minutos, segundos, décimos de segundo. Tadeu começou a receber homenagens, a adquirir fama e prestígio. Mais tarde, considerado um benfeitor, foi eleito chefe de governo.

A cidade nunca se arrependeu tanto. Tudo porque Tadeu, mesmo sendo um péssimo governante, com suas milhares de horas guardadas, conseguiu ficar 22 anos no poder.


CHARGES











VÍDEO = Tchaikovsky


PRAIAS DO NORDESTE

JAGUARIBE-PE 
 PONTA DE PEDRA-PE
 PONTA DE PEDRA-PE
PONTA DE PEDRA-PE
 PONTA DE PEDRA-PE
 PONTA DE PEDRA-PE
PONTA DE PEDRA-PE

CHARLES DARWIN


POESIA

NICOLÁS GUILLÉN
CUBA = 1902-1989

  Burgueses

  
Não me dão pena os burgueses
vencidos. E quando penso que vão a dar-me pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso em meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso em meus longos dias sem abrigos nem nuvens.
Penso em meus longos dias sem camisas nem sonhos.
Penso em meus longos dias com minha pele proibida.
Penso em meus longos dias.

- Não passe, por favor. Isto é um clube.
- A relação está cheia.
- Não há vaga no hotel.
- O senhor saiu.
- Deseja uma mulher.
- Fraude nas eleições.
- Grande baile para cegos.
- Caiu o Prêmio Maior em Santa Clara.
- Loteria para órfãos.
- O cavalheiro está em Paris.
- A senhora marquesa não recebe.

Enfim, toda recordação.
E como toda recordação,
que droga me pede você para fazer?
Além disso, pergunte-lhes.
Estou seguro
de que também recordam eles.





PENSAMENTOS

EDUARDO GALEANO
URUGUAI, 1940


Somos o que fazemos, mas somos, principalmente,
o que fazemos para mudar o que somos.

A  utopia está lá no horizonte.  Me aproximo  dois passos, ela se  afasta
dois passos.  Caminho dez passos  e o horizonte corre  dez passos.
 Por  mais que eu caminhe, jamais alcançarei.  Para que serve a
 utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma
culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.

Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar.

Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido
cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um
aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos
porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que
canta, ainda existe gente que brinca.

Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre

"A  memória guardará  o que valer a pena.  A memória  sabe  de
mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo."

"Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. Dono de nada,
dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas,
sou minha cara contra o vento, a contravento, e
sou o vento que bate em minha cara."

Não importa de onde vim, mais sim aonde quero chegar
A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina.
A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa.


A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la.

Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento
 importa  mais  que  o amor, o  funeral  mais  que o  morto, as
roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus.

A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo
que foi, e contra o que foi, anuncia o que será.

Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa
riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade
alheia: os impérios e seus beleguins nativos.


GRANDES PINTORES

ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960 
ALEKSANDER BENOIS = Rússia, 1870-1960